Os últimos dias foram palco de calorosos debates devido às novas leis incorporadas ao nosso ordenamento, dividindo a opinião da sociedade em geral. Uma dessas leis é a 13.827, que passou a viger no dia 14.
A lei surgiu para permitir que, além do juiz, o delegado de polícia e o policial, em casos específicos, apliquem medida de afastamento do lar nos casos de violência doméstica contra a mulher ou seus dependentes. Contra ela, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ingressou com a ADI 6.138 perante o Supremo Tribunal Federal, distribuída ao ministro relator Alexandre de Moraes, sustentando a tese de violação ao princípio da reserva de jurisdição.
Toda essa discussão reflete a grande preocupação do Estado com a adoção de medidas concretas para o combate à violência doméstica, pela criação de leis e adoção de políticas públicas efetivas. Como se sabe, hoje, sem sombra de dúvidas, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) é o documento mais importante que simboliza a luta pelos direitos das mulheres.
A Lei Maria da Penha nasceu baseada nas Convenções sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres da ONU, de 1979, e na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, da OEA, de 1994. Teve sua constitucionalidade posta em discussão em 2007, pela ADC 19, ajuizada pelo presidente da República à época, e, posteriormente, pela ADI 4.424, intentada pelo procurador-geral da República. Em ambas, o STF proclamou a validade e a compatibilidade da lei com o ordenamento jurídico brasileiro, contando atualmente com quase 13 anos de vigência.
É fato que, se acompanharmos os jornais diários, veremos quão alto é o número de feminicídios e casos de violência doméstica no nosso país. Para se ter noção, conforme notícia publicada no jornal O Globo[1], só até março deste ano tivemos mais de 200 feminicídios, número bastante preocupante. E grande parte dos crimes ocorre dentro do ambiente familiar, pelo próprio companheiro da vítima, conforme levantamento feito de casos ocorridos no Distrito Federal em publicação da revista Exame[2].
Assim, inspirado nesta nova lei e na própria importância do tema, trago a análise dos projetos de 2019 que visam aprimorar a proteção da mulher no cenário atual brasileiro.
Usando como critério o termo “11.340”, verifiquei a apresentação de mais de 60 projetos, até o fechamento deste artigo, envolvendo direta e indiretamente a referida lei.
Abordando tema bastante presente nos projetos deste ano, o mais recente deles, apresentado nesta quinta-feira (23/5), é o PL 3.106/2019, do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS). O objetivo é proibir que o agressor condenado por violência doméstica seja nomeado para cargo ou emprego público na administração pública, enquanto durar a pena privativa de liberdade.
Já o deputado Célio Studart (PV-CE), no PL 2.661/2019, e o deputado Boca Aberta (Pros-PR), no PL 2.150/2019, objetivando vedar o ingresso de condenados pelos delitos da Lei Maria da Penha, estabelecem a proibição para cargos de livre nomeação e exoneração no âmbito da administração pública federal. O PL 2.335/2019, da deputada Edna Henrique (PSDB-PB), traz proposta mais abrangente: proíbe o ingresso em todas as esferas da federação.
Outro interesse projeto é o PL 3.046/2019, da deputada Daniela do Waguinho (MDB-RJ), o qual pretende conceder os benefícios da Justiça gratuita para a mulher vítima de violência doméstica, estabelecendo assim uma hipossuficiência presumida.
O deputado Gustinho Ribeiro (Solidariedade/SE), em seu PL 2.802/2019, quer criar regra para obrigar que os homens em cumprimento de medida protetiva de urgência usem tornozeleira eletrônica e arquem com todos os gastos do equipamento. Mesma ideia é trazida no PL 2.041/2019, do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), com a ressalva de que deverá ser observada a capacidade econômica do agressor para exigir-lhe os gastos com a tornozeleira.
Lembremos que, em 2018, a Lei 13.461 inseriu uma infração penal na Lei Maria da Penha para tipificar a conduta de descumprimento de decisão judicial que deferisse medida protetiva de urgência (artigo 24-A). Antes da lei, muitos sustentavam a tese de se tratar de crime de desobediência, o que não era aceito pelos tribunais.
Estabelecida inicialmente a pena de detenção de 3 meses a 2 anos, o PL 2.409/19, da deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO), pretende aumentar a punição para reclusão de 1 a 5 anos. O projeto também majora a pena da lesão corporal que envolva a violência doméstica de detenção (artigo 129, parágrafo 9º, do Código Penal), de 3 meses a 3 anos para 1 a 5 anos, e multa.
O deputado Fred Costa (Patri-MG) pretende, com seu PL 2.031/2019, erigir à categoria de hediondo os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher que resultem em lesão corporal dolosa de natureza gravíssima ou lesão corporal seguida de morte.
Não tratando diretamente da Lei Maria da Penha, a deputada Flávia Morais (PDT-GO), no PL 1.510/2019, pretende conceder licença do trabalho por sete dias à empregada que seja vítima de violência doméstica. Em sua justificativa, a deputada diz que o objetivo é “(...) permitir que ela [vítima] possa reestruturar a sua vida cotidiana interrompendo o convívio com o agressor, podendo procurar uma moradia emergencial, entre outras atividades necessárias para tal”.
O PL 1.380/2019, do deputado Júnior Bozzella (PSL/SP), pretende estabelecer danos morais para os casos de violência doméstica contra a mulher. A ideia, portanto, é estabelecer um dano moral presumido (in re ipsa, como dizem os tribunais). Único ponto negativo do PL, contudo, é a tarifação da indenização, com limites mínimo e máximo. O projeto quer inserir o inciso VI ao artigo 24 da lei, nos seguintes termos:
“VI – O valor da indenização por danos morais é de seis a cem salários mínimos, sendo que a variação dependerá de análise pelo juiz do caso concreto da violência contra a mulher”.
O juiz fixaria o dano moral de acordo com o caso concreto, mas limitado aos patamares estabelecidos pelo projeto, ponto que pode gerar controvérsias.
Vale lembrar que entendimento semelhante passou a ser adotado pelo STJ, em 2018, no Tema 983 de recursos repetitivos, permitindo um dano moral mínimo mesmo sem prova específica.
Outros projetos de destaque:
— PL 3.059/2019, da deputada Natália Bonavides (PT-RN): altera a Lei Maria da Penha para vedar a aplicação das escusas absolutórias (artigos 181 e 182 do Código Penal) aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher;
— PL 2.940/2019, do deputado Marreca Filho (Patri-MA): quer obrigar a colocação de placas em locais públicos para divulgar o canal telefônico 180 (Central de Atendimento à Mulher);
— PL 2.338/2019, do deputado Beto Faro (PT-PA): altera o artigo 24-A da Lei Maria da Penha para estabelecer o aumento da multa em caso de reincidência no crime de descumprimento de decisão que concedeu medida protetiva;
— PL 2217/2019, do deputado Guilherme Derrite (PP-SP): estabelece que todos os crimes envolvendo violência doméstica sejam procedidos por ação pública incondicionada;
— PL 1.891/2019, do deputado Juninho do Pneu (DEM-RJ): prolonga o estado de flagrância para até 15 dias nos crimes relacionados à Lei Maria da Penha;
— PL 2.154/2019, da senadora Soraya Thronicke (PSL-MS): prevê que a intimação das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do artigo 22 possa ser entregue pelo ofensor da ofendida ou pelo agente policial;
— PL 2.757/2019, da senadora Zenaide Maia (Pros-RN): impossibilita a aplicação de penas alternativas para os crimes praticados com violência ou grave ameaça em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.
[1] https://oglobo.globo.com/sociedade/mais-de-200-feminicidios-ocorreram-no-pais-em-2019-segundo-pesquisador-23505351
[2] https://exame.abril.com.br/brasil/metade-das-vitimas-de-feminicidio-no-df-era-casada-com-o-agressor
Paulo Rodrigo Gonçalves de Oliveira é advogado, especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD).
Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2019.
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