"As críticas feitas à Lei de Improbidade Administrativa se baseiam na excessiva ampliação de sanções, o que acaba incluindo atos meramente irregulares como improbidade." A conclusão foi apresentada em uma pesquisa coordenada pelo Instituto de Direito Público ao analisar 800 acórdãos do Superior Tribunal de Justiça publicados entre 2005 e 2018 contra prefeitos.
Segundo a pesquisa, menos de 10% das ações de improbidade contra prefeitos que chegam ao STJ têm relação com enriquecimento ilícito. 50% dos casos envolvem ofensa aos princípios da Administração Pública. O ato de improbidade administrativa é aquele que implica enriquecimento ilícito ou vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo público.
O estudo mostra ainda que os recursos de prefeitos não foram conhecidos pelo STJ em quase 35% dos casos em função do impedimento da Súmula 7. Esse mesmo óbice processual foi aplicado a 20% dos recursos do MP. Outro ponto da pesquisa mostra que a aplicabilidade de sanções varia de relator para relator. A Súmula 7 afirma que a "pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
Sem proporcionalidade
Segundo a pesquisa, atualmente faltam proporcionalidade e critérios objetivos às sanções. Assim, atos de baixa gravidade recebem as mesmas penalidades de condutas altamente reprováveis.
"Com esse abuso indiscriminado e certa banalização das ações de improbidade há uma preocupação das sanções proporcionais. A lei de improbidade traz seis sanções, desde as mais leves a mais graves", diz o professor coordenador da pesquisa, advogado Rafael Araripe Carneiro.
De acordo com o professor, isso acontece porque a Lei 8.429, a Lei de Improbidade Administrativa, que regulamentou o artigo 37 da Constituição Federal, não definiu ou delimitou com precisão o conceito de improbidade administrativa.
"A Lei de Improbidade Administrativa facilita que atos administrativos ilegais, praticados sem gravidade ou má-fé, sejam considerados ímprobos e sofram as severas sanções previstas na lei."
A lei foi muito importante, mas por outro lado tem sido utilizada indiscriminadamente. "Ela tem sido usada voltada para qualquer tipo de erro administrativo, de questões simples a graves, como desonestidade, o que justifica uma revisão da lei", explica.
De acordo com Carneiro, os atos que atentam contra os princípios são os de aplicação mais controvertida pela difícil delimitação do seu conteúdo jurídico.
"A lei de improbidade visava originariamente punir os casos de vantagem patrimonial do agente público, mas vemos hoje que a aplicação majoritária se volta a situações que não envolvem enriquecimento ilícito ou mesmo lesão ao erário", afirma o professor.
Prática Jurídica
Rafael conta que a pesquisa surgiu a partir do aumento das ações de improbidade nos últimos anos. Segundo Rafael, a pesquisa tem como intuito coletar dados que possam auxiliar o STJ no estabelecimento de critérios objetivos para aplicação da lei de improbidade administrativa como forma de uniformizar a jurisprudência.
Segundo o professor, o foco nos prefeitos justificou-se pelo fato de que, diante das carências de estrutura financeiro-administrativa da maioria dos municípios brasileiros, os prefeitos são os mais prejudicados com o uso indiscriminado das ações de improbidade e a falta de previsibilidade quanto à interpretação legal.
"Focamos nos prefeitos porque temos verificado que a recente estruturação dos órgãos de controle público no Brasil muitas vezes não percebe a realidade local dos pequenos municípios", explica.
O estudo foi apoiado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Ele será apresentado na quarta-feira (22/5), no I Congresso Nacional de Improbidade Administrativa, promovido pela CNM e pelo IDP com o objetivo de debater o tema a partir da contribuição de palestrantes.
Mudanças Futuras
Em 2018, foi apresentado um anteprojeto de lei de reforma por uma comissão composta por juristas para discutir a reforma na Lei de Improbidade Administrativa e aperfeiçoar a legislação vigente. Há a expectativa que o projeto seja analisado e votado os próximos meses.
A comissão foi presidida pelo ministro do STJ Mauro Campbell Marques. Campbell tem defendido que a nova lei deve incorporar jurisprudência dos tribunais em relação ao tema da improbidade, de forma a evitar que sejam cometidos abusos e injustiças.
Gabriela Coelho é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 20 de maio de 2019.
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