segunda-feira, 25 de agosto de 2008

''Mudança de sexo é necessidade para transexual''

Para psiquiatra do HC, sofrimento justifica o gasto público; agora, cirurgia pode ser feita pelo SUS

"Os transexuais são pessoas que sofrem tanto até se encontrarem que isso justifica o gasto público que possa ajudar a reverter a situação." A opinião é do psiquiatra Alexandre Saadeh, que há mais de seis anos trabalha com a avaliação de pessoas com essa característica no Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo.

Pioneiro na avaliação dos problemas psicológicos e psiquiátricos enfrentados por essa população, ele defende a decisão do Ministério da Saúde de incluir no Sistema Único de Saúde (SUS) o procedimento de mudança de sexo. Na semana passada, o governo federal publicou uma portaria no Diário Oficial autorizando hospitais públicos a realizarem a cirurgia. A medida, no entanto, ainda deve levar um tempo para entrar em vigor, pois é preciso normatizar o serviço e decidir quais instituições poderão oferecê-lo.

A expectativa é que ele seja ampliado para todo o Brasil. Hoje, somente alguns hospitais-escola, como o HC, e clínicas particulares realizam a cirurgia, sendo que, nessas últimas, o valor cobrado chega a cerca de R$ 20 mil. "Não se trata de um procedimento cosmético, mas do tratamento para um transtorno, o que justifica o comprometimento do SUS. É o modo de fazer com que essas pessoas se situem melhor na sociedade e tenham, enfim, uma sensação de pertencimento."

O transexualismo é uma condição relativamente rara em que a pessoa, apesar de anatomicamente ser de um gênero, se vê como sendo do sexo oposto e deseja viver e ser aceita desse modo. "É o que chamamos de transtorno de identidade de sexo. Está relacionado com a forma como a pessoa se percebe."

Segundo o psiquiatra, a pessoa "não se reconhece no corpo, no universo relacionado com seu gênero de nascença". "E isso não tem nada a ver, por exemplo, com o homossexualismo, que é uma questão de orientação sexual", diz o psiquiatra. "No primeiro caso, estamos falando da pessoa consigo mesma. No segundo, da preferência sexual em relação ao outro."

Segundo Saadeh, o transexualismo vem sendo relacionado com a interferência de hormônios sexuais no desenvolvimento cerebral do feto e costuma surgir já na infância.

"As histórias tendem a ser parecidas. O menino prefere ficar com as meninas, brincar de boneca. Na escola, não quer usar o banheiro masculino. Chega à adolescência, às vezes pensa que é homossexual, mas, quando tem uma experiência com outro homem, percebe que também não é (homossexual)."

Investigando a ocorrência de outros transtornos psiquiátricos nos transexuais atendidos no HC, Saadeh percebeu que são relativamente comuns alguns sintomas depressivos e muita ansiedade.

"Alguns têm autopreconceito, se consideram uma aberração. Também não são raros casos de automutilação. Por isso, é necessário todo um trabalho de terapia ao longo de vários anos, antes e depois da operação."

INCIDÊNCIA

A incidência de transexualismo é de 1 para cada 30 mil homens e de 1 em 100 mil mulheres (gênero de origem). As cirurgias para mudança de sexo foram liberadas na década de 90 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). No HC, 25 pessoas passaram pelo procedimento desde 1998. Outras dez aguardam para fazer a cirurgia até janeiro. O processo de preparação para a cirurgia, incluindo terapia hormonal e psicológica, demora pelo menos dois anos.

Estadão.

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