A instituição religiosa que recebe como doação valor muito superior às posses do doador, sem a devida cautela, responde civilmente pela conduta. Com esse entendimento, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou a Igreja Universal do Reino de Deus a devolver a um fiel todos os dízimos e doações feitas por ele desde 1996, em valor a ser apurado em liquidação de sentença. A igreja foi condenada também a indenizar o fiel por danos morais em R$ 5 mil.
De acordo com laudo psiquiátrico, o fiel tem problemas mentais de caráter permanente. Por isso, foi representado por sua mãe. No processo, ela informou que o filho passou a freqüentar a Igreja Universal em 1996, onde era induzido a participar de reuniões sempre sucedidas de contribuição financeira.
As doações passaram a tomar todo o seu salário — ele trabalhava como zelador. E, por causa do agravamento de sua doença, ele foi afastado do trabalho. Desde então, passou a emitir cheques pré-datados para doar à igreja. Ele fez ainda empréstimo junto ao banco e vendeu um lote por um valor irrisório, tudo para fazer doação à igreja.
Ainda segundo o processo, "promessas extraordinárias" eram feitas ao fiel na igreja, em troca de doações financeiras e dízimo. Teria sido vendida a ele, por exemplo, a "chave do céu". A inicial do processo narra também que qualquer pessoa que tentasse lhe mostrar ou argumentar que ele estava sendo enganado era denominada pelo "demônio", contra o qual tinha que lutar, segundo lhe foi dito e ensinado na pregação dos pastores da igreja.
Na primeira instância, o juiz da 17ª Vara Cível de Belo Horizonte ponderou que a incapacidade permanente do fiel só se deu a partir de 2001, quando houve sua interdição. Dessa forma, entendeu que a igreja não poderia restituir valores de doação anteriores àquele ano, motivo pelo qual estipulou em R$ 5 mil o valor que deveria ser devolvido. O juiz de primeira instância condenou a igreja também a indenizar o fiel em mais R$ 5 mil, por danos morais.
A igreja e o fiel recorreram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O desembargador Fernando Botelho, relator do recurso, entendeu que a interdição do incapaz apenas veio confirmar situação pré-existente. Segundo o relator, não há dúvidas de que, "mesmo antes de 1996, ano em que o autor passou a freqüentar as dependências da igreja e a fazer-lhe doações, já apresentava grave quadro de confusão mental, capaz de caracterizar sua incapacidade absoluta, já que, no laudo pericial, restou consignado que ele não reunia discernimento suficiente para a realização dos atos da vida civil".
Considerando que o fiel não tinha “condições de manifestar, à época dos fatos, livremente a sua vontade, já que à mesma época (quando da emissão dos cheques de doação à igreja) não apresentava tanto discernimento, os negócios jurídicos ali realizados são nulos", concluiu o relator.
Dessa forma, a igreja foi condenada a restituir ao incapaz o valor integral das doações feitas, desde 1996, a ser apurado em liquidação de sentença. O relator do caso foi acompanhado, nesse ponto, pelos desembargadores Alberto Henrique e Barros Levenhagen.
Ele confirmou também a indenização por danos morais. E foi acompanhado apenas pelo desembargador Alberto Henrique, ficando parcialmente vencido o desembargador Barros Levenhagen, que havia excluído a indenização por danos morais.
Processo 1.0024.03.965628-5/001
Revista Consultor Jurídico, 21 de agosto de 2008
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