quarta-feira, 2 de julho de 2014

A quem cabe a fiscalização da pena imposta ao condenado solto?


O Anteprojeto de Lei de Execução Penal estabelece hipóteses em que o cumprimento da pena em liberdade será feito “sem vigilância direta”, tais como nas saídas temporárias, na prisão domiciliar e no livramento condicional.
A despeito disso, prevê ainda o texto que a inobservância ao horário e ao local de recolhimento configura falta disciplinar passível de ensejar a sustação do benefício.
O primeiro aspecto deficiente da proposta decorre da constatação de que se preveem consequências para o descumprimento das condições, mas se fixa, no mesmo ato, que os benefícios não disporão de fiscalização direta.
Ora, é inevitável concluir que, impostas condições e fixada a inexistência de vigilância, ter-se-á que a fiscalização da regularidade do cumprimento da pena dependerá do acaso.
Em outras palavras, só o acaso, representado casualmente por prisão em flagrante fora do domicílio em horário de recolhimento obrigatório, poderá demonstrar a prática de falta pelo sentenciado.
O aspecto mais grave da medida, entretanto, remonta à constatação de que, tal qual se verifica na legislação vigente, há imposição de condições para o cumprimento de pena em liberdade, com fixação de sanções para a inobservância, mas não há definição de quais serão os agentes encarregados da fiscalização.
A conclusão é que, inevitavelmente, se estabelecem previsões normativas com o nítido propósito de que elas sejam descumpridas.
Efetivamente, há estímulo à violação da lei quando se fixam condições à prisão domiciliar, ao livramento condicional e às saídas temporárias, mas se consigna a inexistência de vigilância direta e se deixa de definir quem será encarregado da fiscalização.
É imperiosa a correção de tais incongruências, prestando-se como melhor parâmetro as deliberações administrativas do Comando da Polícia Militar da 8ª Região Integrada de Segurança Pública de Minas Gerais, sediada em Governador Valadares, já aplicadas em todo o estado.
A Polícia Militar constituiu Patrulha de Atenuação de Risco Social (Paris), cujo objetivo remonta justamente à fiscalização do cumprimento das condições de recolhimento e de horário da prisão domiciliar, do livramento condicional e das saídas temporárias.
A deliberação em comento tem lastro no artigo 144 da Constituição, que atribui à Polícia Militar a preservação da ordem pública, ratificada pela verificação de que, no mais das vezes, as práticas delitivas estão atreladas a agentes que já apresentam histórico delitivo.
Logo, fiscalizar o regular cumprimento da pena em liberdade é importante elemento de atenuação da criminalidade, especialmente da violenta.
Os resultados revelam a eficiência da mencionada patrulha eis que, segundo apurações, a cada 10 beneficiados por saídas temporárias, dois se envolviam em nova ocorrência policial e três não retornavam à unidade carcerária, incorrendo em evasão. Quando já atuante a patrulha, foram apenas três evasões e três envolvimentos em nova ocorrência em universo de 791 internos durante lapso de um ano.
Absolutamente pertinente, então, que o Anteprojeto de Lei de Execução Penal avance na regulamentação do tema, estabelecendo a fiscalização das saídas temporárias, da prisão domiciliar e do livramento condicional por parte da Polícia Militar, o que asseguraria a regularidade do cumprimento da pena e reforçaria o combate à criminalidade.
Thiago Colnago Cabral é Juiz da Vara de Execuções Penais de Governador Valadares (MG), membro do IBCCrim e vencedor da X Edição do Prêmio Innovare, categoria Juiz – 2013.
Revista Consultor Jurídico, 01 de julho de 2014

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