quinta-feira, 24 de julho de 2014

Justiça despreza alternativas penais

Pesquisa do IDDD revela resistência do Judiciário paulista a medidas cautelares alternativas à prisão.

SOS Liberdade
Vivemos, sem dúvida alguma, uma cultura de encarceramento em massa da população pobre, fruto, entre outras coisas, de uma resistência ainda muito grande do Judiciário em aplicar as medidas cautelares alternativas à prisão”.
Esta é uma das conclusões do relatório do projeto “SOS Liberdade“, divulgado pelo IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa. (*)
A pesquisa teve o objetivo de verificar o impacto da Lei 12.403/2011 (“lei das cautelares”) nas decisões do Judiciário paulista, em especial no uso abusivo da prisão preventiva.
“Juízes de primeiro grau insistem em prender fora das hipóteses autorizadas pelo entendimento pretoriano (STJ e STF), como ocorre com a adoção da medida de prisão em razão do mero descumprimento de medida alternativa, entendimento julgado inconstitucional pelos tribunais, mas que persiste nas instâncias inferiores, além de vulgarizarem o uso do requisito da ‘ordem pública’, conceito amplo e vago, para fundamentar prisões, inclusive por crimes menos graves”.
Os dados foram coletados a partir do atendimento pessoal prestado a 537 presos provisórios do Centro de Detenção Provisória I de Pinheiros (SP), entre novembro de 2011 e julho de 2012, e em posterior análise processual de 344 casos, no Fórum Criminal da Barra Funda.
“O modelo policial ostensivo em detrimento do investigativo (apenas 4% das prisões foram feitas pela Polícia Civil, o restante pela Militar) explica o fato de a população carcerária ser composta por pequenos infratores, sendo um quarto dos presos moradores de rua, pessoas que, se já viviam em situação de miserabilidade plena antes da prisão, são expelidos para a rua tempos depois, sem qualquer amparo, produzindo um círculo vicioso patrocinado em grande parte pelo descaso estatal”.
“Não é raro, ainda, o juiz aplicar a fiança como alternativa à prisão, decisão nada condizente com a precária situação socioeconômica destes presos. Afinal, o perfil do preso entrevistado é, em geral, de um jovem entre 20 e 30 anos, trabalhador (formal ou não), a maior parte responsável pelo sustento da família, usuário de algum tipo de droga”.
“Entre os mais jovens é bastante alto o histórico de prisão de algum parente próximo”.
Em 2011 e 2012, advogados associados ao IDDD trabalharam, de maneira voluntária, no projeto SOS Liberdade, um mutirão no Centro de Detenção Provisória I de Pinheiros (SP).  Os voluntários, além de visitarem a unidade prisional para uma conversa pessoal com os assistidos, ficavam responsáveis por buscar o relaxamento da sua prisão em flagrante e/ou a revogação da prisão preventiva posteriormente decretada, buscando, alternativamente, a aplicação das medidas cautelares alternativas à prisão previstas na Lei n. 12.403/2011. Para sistematizar os dados colhidos, o projeto contou com uma equipe formada por três estagiários em direito em uma estatística.
A pesquisa revela ainda uma grande incompreensão dos entrevistados acerca dos motivos e fundamentos da prisão, índice muito alto de agressão praticada contra o detento no momento da abordagem (57%) e rara observância de direitos mínimos, como a comunicação com a família, direito a atendimento médico e, até mesmo, o direito à defesa, sobretudo nas primeiras horas da prisão.
“A maior parte dos entrevistados já havia sido presa anteriormente. Mas, quando presos pela primeira vez, eram ‘primários’ – conforme entendimento vulgar de primariedade – e, mesmo assim, foram mantidos no cárcere, a maioria para cumprimento de penas curtas, a demonstrar o desprezo do sistema de justiça pelas alternativas penais”.
“Em vez de refrear, o sistema de justiça penal acaba sendo mais um fator de incremento da criminalidade, o que, a nosso ver, poderá ser corrigido, ou pelo menos mitigado, com a utilização mais criteriosa da medida cautelar de prisão”.
O IDDD é uma organização da sociedade civil que atua com o propósito de fomentar a ideia de que todos têm direito a uma defesa de qualidade, à observância do princípio da presunção da inocência, ao pleno acesso à Justiça, a um processo justo e a cumprir a pena de forma digna.
Tudo isso independentemente da classe social, de ser culpado ou inocente, ou do crime de que está sendo acusado.


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