A maioria dos juízes, ao analisar casos de prisão em flagrante, opta por determinar a detenção preventiva, aponta o estudo SOS Liberdade, produzido pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa com o intuito de sondar o impacto da Lei 12.403/11 (Lei das Cautelares) nas decisões judiciais em São Paulo.
Segundo a pesquisa, de 344 decisões judiciais analisadas, 171 converteram a prisão em flagrante em prisão preventiva (49,71%), 154 aplicaram medida cautelar alternativa à detenção (44,77%) e em 18 casos o acusado foi colocado em liberdade plena (5,23%).
O argumento mais utilizado para fundamentar a prisão preventiva, ainda de acordo com o levantamento, é a garantia da ordem pública (36%), seguido da conveniência da instrução criminal (29%) e aplicação da Lei Penal (19%).
Após a denúncia ser oferecida e o processo encaminhado para o fórum criminal da Barra Funda, dos 171 casos de prisão preventiva, 57 tiveram a medida mantida (33,33%). A liberdade provisória sem fiança foi concedida em 32 ações (18,71%) e medida cautelar alternativa à detenção em 17 (9,94%).
Para sustentar a decisão, o Judiciário alegou, entre outros motivos, a existência de antecedentes criminais ou reincidência (16%); falta de vínculo com o distrito de culpa (7%); personalidade voltada à prática delitiva; ausência de ocupação lícita (6%); e indícios da autoria e materialidade do delito (6%).
Segundo Augusto de Arruda Botelho, diretor presidente do instituto, esse cenário desenhado pelo levantamento demonstra que a Lei 12.403/11 “não pegou”. “Juízes não a aplicam, defensores públicos a deixam de lado e tribunais fecham os olhos para evidentes ilegalidades”, escreveu, na introdução do relatório.
Regra e exceção
Sancionada em maio de 2011, a Lei 12.043/11 altera dispositivos do Código de Processo Penal referentes à prisão processual, fiança, liberdade provisória e medidas cautelares. Segundo seu parágrafo 6, do artigo 282, “a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”.
Mais adiante, no artigo 319, o dispositivo lista as diferentes modalidades de medidas cautelares, como comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, de manter contato com determinadas pessoas e de ausentar-se da comarca.
O criminalista e presidente da Academia Paulista de Direito Criminal,Romualdo Sanches Calvo Filho, tem visão similar à de Arruda Botelho. A lei não está sendo aplicada como deveria, diz ele, "mas como querem alguns incautos e afoitos magistrados, no afã desabrido de agradar a opinião pública, a qual vê na prisão a panaceia de todos os males”.
“Infelizmente, no Brasil, a regra é a manutenção ou decretação de prisão cautelar, nomeadamente a temporária e a preventiva, quando deveria essa medida drástica ser a exceção”, acrescenta Calvo Filho.
O também criminalista Alberto Zacharias Toron, do escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados, acredita que os resultados do relatório são fruto do “amor” que o juiz tem pela prisão preventiva. Ele compara a situação a de um médico que tem o mesmo remédio para diversas doenças e acrescenta que a lei vai na contramão do momento punitivista pelo qual passa o Judiciário.
Já o promotor de Justiça em Minas Gerais, André Luis Alves Melo, afirma que a prisão ocorre porque "se [o acusado é] solto, a defesa começa a ‘enrolar’ o processo para dar prescrição”.
Para Melo, a solução seria acabar com a prescrição — “assim não adiantaria a defesa enrolar o processo e recursos” — e com a obrigatoriedade da ação penal, permitindo ao Ministério Público propor acordos de pena alternativa.
“Com essas medidas, haveria uma substancial diminuição do prazo e dos processos, bem como das prisões, mas há setores que lucram com a demanda processual e não querem mudanças efetivas”, prossegue.
Perfil dos presos
O relatório também traça um perfil dos 537 presos em flagrante atendidos por um mutirão do instituto, entre novembro de 2011 e julho de 2012, no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros (zona oeste da capital paulista).
A maioria dos entrevistados tem entre 25 e 34 anos (42%), com ensino fundamental incompleto (40%) e renda de um a três salários mínimos (45%). Em relação à cor de pele, 41% declararam-se pardos, 39%, brancos, e 18%, pretos.
Sobre os motivos da detenção, o relatório afirma que cerca de 60% foram presos por furto simples e 12% por furto qualificado, segundo os próprios detentos. Já de acordo com o prontuário, o furto simples figura no topo da lista, com 30%, seguido pelo furto tentado (28%) e receptação (18%).
Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2014
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