O fato de a prova oral conter apenas depoimentos de policiais não impede a condenação. Esse entendimento, delimitado pela Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foi usado pelo juiz Luís Gustavo Vasques, da Vara Criminal de Queimados, para condenar um homem a 8 anos de prisão por tráfico de drogas e associação criminosa.
O réu foi preso pela Polícia Militar do Rio de Janeiro no bairro de São Simão, em Queimados, acusado de ser o dono de uma mochila com 147 gramas de maconha e 500 gramas de cocaína. Ele afirmou não ser o dono das drogas, mas os agentes de segurança disseram, em depoimento, que o acusado as carregava no momento da prisão.
Para o magistrado, a afirmação dos policiais foi suficiente para garantir que o réu fosse considerado traficante e dono da mochila onde estavam as drogas. “A vinculação do réu à droga restou demonstrada pelos depoimentos dos policiais militares e do Delegado, os quais merecem total credibilidade”, disse Vasques, citando a Súmula 70 do TJ-RJ.
“O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”, delimita o dispositivo. “Nunca é demais frisar que as palavras dos policiais, como reflexo das condutas por si executadas no dia da prisão dos réus, ostentam presunções de legitimidade, legalidade e veracidade”, complementou Vasques.
Justificou ainda que as afirmações dos policiais são de grande valia para a condenação, pois eles sabem como funciona a venda de drogas no local e porque “tinham informes da realização de tráfico pelos réus”.
Apesar de o depoimento dos policiais ser o argumento mais forte do magistrado, ele também destacou que o local onde o réu foi preso, por ser dominado pelo tráfico, e a forma como as drogas estavam divididas, inclusive com inscrição do Comando Vermelho nas embalagens, são suficientes para condenar por tráfico e associação criminosa.
“Em relação à autoria, a mesma restou evidenciada, diante da robusta prova oral produzida em Juízo, em especial o depoimento dos policiais de que o réu trabalhava para o tráfico local e que a localidade em que o réu foi preso é ponto de tráfico, o qual é sabido ser dominado pela facção criminosa Comando Vermelho, sendo de ordinário conhecimento de que somente aqueles que estão aliados à referida facção é que conseguem atuar na localidade”, afirmou Vasques.
Advocacia discorda
Apesar de condenações por tráfico baseadas apenas em depoimentos serem comuns no Judiciário brasileiro, criminalistas questionam esse tipo de entendimento pela fragilidade das supostas provas usadas: as falas dos agentes de segurança pública.
Segundo o criminalista Leonardo Palazzi, é preciso considerar nesses casos se o agente de Estado que prestou depoimento tem interesse no caso, mas pondera que esse argumento não é considerado pelo magistrado. “Juízes, por óbvio, mantém posicionamento de que palavra de policial tem presunção de veracidade e que eles não têm interesse na condenação.”
Welington Arruda, também criminalista, destaca que a “jurisprudência tem aceitado esse tipo de condenação, mas a doutrina rechaça isso veementemente”. Conta ainda que, nas varas criminais, quem decide se o preso é usuário ou traficante é o policial na rua, e que o juiz usa isso para embasar a condenação, normalmente sem qualquer outro testemunho.
“Na grande maioria dos países desenvolvidos, o depoimento do policial não é aceito sem qualquer outro testemunho”, afirma, complementando que, em muitas ocasiões, o policial diz que o acusado é traficante para justificar a prisão.
Estudos do Núcleo de Estudos de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e do juiz da Vara de Execução Penal de Manaus, Luís Carlos Valois, ambos noticiados pela ConJur, mostraram que 74% das prisões em flagrante por tráfico ocorrem apenas com testemunhos dos policiais envolvidos.
Outro criminalista, Fernando Hideo, lembra que decisões desse tipo afrontam o artigo 155 do Código de Processo Penal: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
“São atitudes dessa natureza que estimulam o autoritarismo policial”, critica. Para Hideo, os tribunais têm muito preconceito com tráfico, o que resulta na cópia “fidedigna da política de encarceramento em massa dos EUA, mas 30 anos depois”. “Até nisso somos atrasados”, diz.
Clique aqui para ler a decisão.
Brenno Grillo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 2017.
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