Nos últimos anos, a Suprema Corte dos EUA tomou duas decisões que restringiram a aplicação das penas mais duras a crianças e adolescentes infratores. Na primeira, proibiu a aplicação da pena de morte. Na segunda, proibiu a aplicação da pena de prisão perpétua para crimes que não sejam de homicídio. Em 1999, em Louisiana, um juiz sentenciou o então adolescente Alden Morgan a 99 anos de prisão, sem direito a condicional, por assalto a mão armada.
Tecnicamente, ele não foi condenado à prisão perpétua, porque essa não foi a sentença do juiz Julian Parker. O juiz poderia ter aplicado uma pena de 10 a 99 anos, de acordo com as diretrizes de sentenças para assalto à mão armada. Aplicou a pena máxima, com o argumento de que “Morgan tinha a intenção de matar e não mostrou remorso”.
Em 1998, quando tinha 17 anos, Morgan, com uma arma na mão, ordenou a um casal, com um bebê, que lhe entregassem a chave do carro. Quando a chave do carro caiu no chão, ele se abaixou para pegá-la e, nesse momento, apertou o gatilho involuntariamente e a arma disparou, sem acertar ninguém.
Morgan fugiu com o carro, mas foi facilmente localizado pela polícia. Quando ele abordou o casal, o homem estava colocando o bebê na cadeirinha no banco de trás do carro. E, ao fazê-lo, deixou o telefone celular no banco. A polícia rastreou o celular e localizou o ladrão, que acelerou, perdeu o controle do veículo e bateu em uma árvore. Ainda correu, mas os policiais o encontraram em um barracão.
No julgamento, o casal testemunhou que ele jamais apontou a arma para eles. Sempre a manteve apontada para o chão e ninguém saiu ferido. Mesmo assim, o juiz decidiu que Morgan não sairá da prisão antes de completar 116 anos de idade – sem aplicar a pena de prisão perpétua.
Na primeira audiência para julgar um recurso de Morgan, os ministros do Tribunal Superior de Louisiana se mostraram irritados com a sentença do juiz de primeiro grau, segundo os jornais The New Orleans Advocate e Santa Cruz Sentinel. “Qual é a diferença entre 99 anos de prisão e prisão perpétua?”, questionou a ministra Bernette Johnson.
Os ministros também se irritaram com o argumento do promotor Leon Cannizzaro, que defendeu a pena aplicada pelo juiz de primeiro grau. Segundo o promotor, Morgan estava “juridicamente sem sorte, porque nenhuma das restrições impostas pela Suprema Corte dos EUA se aplicava a ele”.
De fato, nenhuma das decisões mais antigas da Suprema Corte se aplicava ao caso. E nem mesmo uma decisão tomada pela Suprema Corte em janeiro de 2016, em suplemento às duas decisões anteriores, segundo a qual crianças e adolescentes que cometem crimes, incluindo assassinatos, “são fundamentalmente diferentes de adultos e podem mudar, porque a ciência demonstra que seus cérebros são menos desenvolvidos, um fato que os torna menos culpáveis”.
A decisão com efeito retroativo beneficia centenas de prisioneiros de Louisiana, que cometeram crimes de homicídio quando eram adolescentes – incluindo um que matou o vice-xerife de Baton Rouge, capital de Louisiana. Mas não beneficia Morgan, cujo caso não é de homicídio – e, portanto, não se enquadra tecnicamente na decisão.
Essas considerações levaram o ministro John Weimer a fazer uma observação irônica: “Eu penso que é preciso admitir que uma pena de 99 anos de prisão incentiva, de forma essencial e perversa, um criminoso a realmente puxar o gatilho e cometer um assassinato, pois então ele terá direito à liberdade condicional. Mas, se ele não mata ninguém, não terá esse direito”.
O Tribunal Superior de Louisiana aceitou julgar o caso e nomeou a clínica da Faculdade de Direito de Loyola para representar o réu. O professor de Direito Majeeda Snead e os estudantes Ashley Crawford e Meagan Impastato alegaram que o juiz Julian Parker ignorou todos os fatores atenuantes, que impediriam a aplicação da sentença de 99 anos de prisão.
Aos 10 anos, Morgan foi diagnosticado com “deficiência mental branda”, tinha tendências suicidas e, na adolescência, usava cocaína e heroína. As próprias vítimas testemunharam que, em nenhum momento, se sentiram ameaçadas de morte e ele não poderia ser considerado “o pior dos piores”, uma forma que a Justiça americana usa para classificar quem merece pena de morte ou de prisão perpétua.
E uma decisão da Suprema Corte dos EUA determina que um juiz deve levar em consideração todos os fatores atenuantes, antes de sentenciar um adolescente à prisão perpétua. A Oitava Emenda da Constituição dos Estados Unidos, por sua vez, proíbe o estado de impor “punição cruel e incomum” a réus condenados.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 20 de setembro de 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário