Um réu não pode ser julgado e processado duas vezes pelo mesmo crime, exceto se a análise de seu caso for feita por jurisdições de dois países diferentes e o crime afetar as duas nações. O entendimento é da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS), que negou Habeas Corpus em ação penal por lavagem de dinheiro que tramita na 2ª Vara Criminal de São Paulo e que já foi julgada na Suíça.
A defesa argumentou que a decisão de primeiro grau viola o artigo 8º daConvenção Americana sobre Direitos Humanos e o artigo 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que foram incorporados ao direito nacional pelos decretos 678/92 e 592/92.
Ao receber a denúncia, o juiz de primeiro grau entendeu que a condenação na Suíça não afasta o processamento pelo Estado brasileiro. Segundo ele, apesar de cometido em outro país, o crime de lavagem produziu resultados em território brasileiro, pois os recursos foram internalizados e ocultados no Brasil por meios fraudulentos.
No TRF-3, o pedido do réu foi concedido liminarmente, mas, ao analisar o mérito da causa, o relator, desembargador federal Paulo Fontes, reformou seu entendimento e foi seguido pelos julgadores da 5ª Turma. Fontes explicou que apesar de o crime de lavagem de dinheiro ter se iniciado na Suíça, sua execução e efeitos se deram no Brasil, o que faz incidir a regra da territorialidade.
Ele entendeu que não existe nenhum impedimento legal para a eventual duplicidade de julgamento pelas autoridades brasileiras e suíças, pois o artigo 8º do Código Penal garante que “a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”.
O relator destacou também que tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, preveem a proibição do bis in idem, "mas o fazem como norma internacional a limitar a jurisdição de cada país signatário, impedindo que cada Estado processe o indivíduo por mais de uma vez, pelos mesmos fatos".
O julgador argumentou que esses tratados não impedem a incidência da jurisdição de um país quando o réu já tiver sido processado em outro, e que a interpretação extensiva desses tratados para abranger o processamento do fato em países distintos seria limitar a soberania dos signatários.
“Uma coisa é exercer a sua jurisdição e não poder fazê-lo novamente; outra é não poder exercê-la quando um outro Estado o tiver feito. No último caso, o Estado não poderia exercer a sua jurisdição, em razão da atuação prévia de um outro Estado, o que nos parece capaz de afetar o princípio da soberania, que segue sendo de extrema importância no Direito Internacional”, explicou o desembargador. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-3.
Habeas Corpus 0008690-37.2016.4.03.0000/SP
Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2016.
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