Um novo estudo, apresentado no encontro da Academia Americana de Cientistas Forenses e noticiado pela revista Scientific American, afirma que o DNA coletado de células da pele deixadas em objetos na cena do crime — e cada vez mais usado como prova em processos criminais — pode incriminar a pessoa errada. Isso porque as células da pele podem ser transferidas de uma pessoa a outra que, por sua vez, as transfere para uma arma, uma maçaneta de porta ou para qualquer outro objeto.
Nada melhor para ilustrar essa descoberta do que o caso que detonou as investigações que resultaram no questionamento da infalibilidade dos exames de DNA. Até agora, esse procedimento só era suspeito em razão de falhas humanas, como erros do laboratório, amostras contaminadas, fabricação de exames, plantação de provas e suborno de cientistas, entre outras.
Em dezembro de 2012, o sem-teto Lukis Anderson foi acusado pelo assassinato do multimilionário do Vale do Silício, na Califórnia, Raveesh Kumra, com base em prova de DNA coletada na cena do crime. Os promotores pediram pena de morte. Porém, Anderson tinha um álibi indiscutível. Na hora do crime, ele estava hospitalizado. Médicos, enfermeiros e pessoal do hospital eram testemunhas, porque seu estado de saúde requeria assistência constante.
Três horas antes do crime, Anderson, embriagado, à beira de um estado de coma, foi socorrido por paramédicos, que o levaram para o hospital. Mais tarde, os mesmos paramédicos compareceram à cena do crime, onde Kumra fora assassinado. E, inadvertidamente, “plantaram” as provas de DNA contra Anderson na cena do crime.
Esse caso mostrou que provas de DNA não são irrefutáveis — pelo menos se o DNA for coletado de células de pele. Ao contrário, oferece riscos significativos de condenação de inocentes, diz o estudo. Outros estudos comprovaram que células de pele podem ser transferidas em um aperto de mão de uma pessoa para outra, que, depois, toca um objeto. Ou pelo contato com toalhas que foram esfregados no pescoço de alguém.
Apesar de perder seu status de prova irrefutável, que gozou por vários anos, o exame de DNA colhido em células da pele continuará a manter um lugar ao sol no sistema de Justiça criminal. O exame, porém, deverá ser usado como mais um componente no conjunto de provas que as investigações e a perícia forense podem reunir contra uma pessoa suspeita de crime — nunca como uma única prova definitiva. E a possibilidade de transferência de células entre pessoas deve ser descartada, diz o estudo.
Nos últimos anos, vários campos da ciência forense foram questionados por cientistas e acadêmicos. Dúvidas foram levantadas, por exemplo, nos exames de marca de mordida e de análise microscópica do cabelo. Assim, a prova de DNA ganhou poder na Justiça criminal. E por uma boa razão, diz o estudo: a análise de DNA é mais definitiva e menos subjetiva do que outras técnicas forenses porque se baseia em modelos estatísticos.
Ao examinar áreas específicas do genoma humano, os analistas podem determinar a probabilidade de um determinado item de prova ser ou não correspondente a um perfil genético conhecido de uma vítima, um suspeito ou réu em processo criminal. Mais que isso, analistas podem predizer o valor ou o caráter probatório do exame de DNA ao checar a frequência de um padrão contra bancos de dados da população.
Nas últimas duas décadas, o Projeto Inocência, uma organização sem fins lucrativos baseada na cidade de Nova York, tirou cerca de 300 pessoas inocentes da prisão, algumas delas no corredor da morte, graças a exames de DNA, que desmontaram todo o processo de condenação. Esse fato levou a comunidade jurídica do país a propor a reforma do sistema de Justiça criminal do país.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 9 de junho de 2016.
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