segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Bullying não é brincadeira

Escrito por  Carla Mateus, com entrevista a Tânia Paias, psicóloga, e Helena Fonseca, Pediatra, especialista em Adolescência.

Bullying não é brincadeira


Há quem ainda diga que “é coisa de miúdos” e desvalorize a situação. Mas quando insultar, gozar e bater no colega se torna na sua rotina preferida há que saber parar com a agressão. Conheça melhor o fenómeno chamado bullying.
“Desde os 8 até aos 14 anos sofri de bullying verbal e psicológico. Hoje, com 18 anos, tenho medo de sair de casa, de ir à escola, à praia ou a qualquer outro sítio porque receio que tudo aconteça outra vez. Cresci a odiar-me, sem autoestima. (…) Automutilação e pensamentos sobre suicídio são um pouco constantes, mas eu não quero morrer. Só quero acabar com o meu sofrimento que já dura anos. Só quero ser feliz, gostar de mim pelas minhas diferenças e por aquilo que sou”.

O relato é de Daniela, vítima de bullying durante seis anos e um dos muitos testemunhos que podemos ler enquanto percorremos o Portal Bullying, um espaço inteiramente dedicado a este fenómeno, onde se pode colocar perguntas, tirar dúvidas e falar com técnicos. Uma história real que espelha o sofrimento vivido por algumas crianças e adolescentes nas escolas portuguesas.

É certo que os mais novos precisam de regras, caso contrário as traquinices sucedem-se a um ritmo avassalador. No entanto, existe uma clara diferença entre a traquinice própria da infância e outros atos que poderemos considerar de maldade pura e simples, como é o caso do bullying. Tânia Paias, psicóloga e diretora do Portal Bullying, começa por explicar-nos o que este fenómeno não é: “não é uma brincadeira, nem será uma divergência entre colegas”.

Não existe tradução portuguesa para o termo mas, grosso modo, trata-se do ato de agredir um colega de escola, intencionalmente e de modo repetido. Estas agressões causam angústia ou humilhação à vítima, ocorrem sem motivações evidentes, e são adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s).

O conceito foi identificado na década de 1990 pelo investigador norueguês Dan Olweus e segundo a psicóloga “envolve um contínuo importunar e uma incapacidade do próprio para se defender, levando, em casos extremos, a que aquele que se transformou em vítima, acredite que não é capaz de lidar com a situação e que os ataques de que é alvo são merecidos”.

Mas Helena Fonseca, pediatra especialista em Medicina do Adolescente, sublinha que este fenómeno não é recente, apenas se trata de um novo conceito para um comportamento antigo. “O bullying sempre existiu, só que agora fala-se muito mais nele e ainda bem que o fazemos”, constata.

Pais e professores “de olhos bem abertos”

O quotidiano de uma criança alvo de bullying é um verdadeiro tormento e a escola um local de permanente humilhação. Geralmente o jovem cala-se, sofre em silêncio, seja porque tem vergonha, seja porque tem medo. E é por essa razão que muitas vítimas podem sofrer este tipo de maus tratos durante muito tempo sem que ninguém perceba o que se está a passar. Até que os pais ou professores observam os efeitos dessa pressão.

A autoestima é a primeira a sofrer danos, por vezes irremediáveis. Quase todos os dias se sentem nervosos, irritados, deprimidos e cansados. Têm medo, dificuldade em adormecer, dores de cabeça e de barriga. Não gostam da escola. Estes são alguns dos sintomas físicos e psicológicos partilhados por adolescentes envolvidos em bullying, de acordo com o estudoHealth Behavior School Aged Children (HBSC/OMS), realizado, em 2010, por Margarida Gaspar de Matos, investigadora da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, e a sua equipa.

Mas existem outros sinais que podem ajudar a perceber que algo de estranho se passa. Tristeza, agitação, insegurança, perda de apetite e diminuição do rendimento escolar são outras alterações comportamentais que podem indiciar bullying. No limite, podem ocorrer tentativas de suicídio.

Daí que para combater estas situações “seja fundamental que pais e professores estejam atentos a qualquer mudança na rotina das crianças, nos seus hábitos, na sua maneira de ser e de estar”, sublinha Tânia Paias. A especialista em medicina da adolescência, Helena Fonseca, partilha da mesma opinião, alertando para “a necessidade de identificar precocemente esses cenários, que muitas vezes conduzem a situações bastante complicadas, nomeadamente à ideação suicida”.

Um triângulo de poder silencioso

Qualquer criança pode ser vítima de bullying, mas aquelas que são diferentes ou não se encaixam nos grupos são, normalmente, as mais afetadas. Os alvos comuns são pessoas ou grupos que apresentam características destoantes da maioria. Ao olhar para o seu percurso profissional Helena Fonseca identifica de imediato alguns deles: “é o caso dos jovens obesos, das crianças mais tímidas, menos assertivas e que tenham um handicap de qualquer ordem”.

Viver num meio familiar superprotetor ou possuir uma diferença óbvia, como coxear ou gaguejar, são outros dos fatores que fazem de um jovem uma potencial vítima.

Relativamente ao agressor ou bully, Tânia Paias revela que este “pode ser qualquer aluno porque há uma variabilidade muito grande nos papéis e quem foi vítima poderá tornar-se agressor e vice-versa”. No entanto, na maioria das vezes, são crianças ou jovens que revelam raiva descontrolada, impulsividade, baixa tolerância à frustração e encaram a violência de uma maneira positiva, utilizando a agressão como forma de domínio. 

Existe ainda um terceiro elemento neste triângulo de poder que é o grupo de pares ou testemunhas. Este pode, por um lado, encorajar o agressor e colaborar nas ameaças e, por outro, proteger a vítima ou afastar-se sem se comprometer.

Prevenção é o caminho a seguir!

As comunidades educativas e a sociedade em geral têm um papel muito importante no combate e na prevenção do bullying. Antes de mais, é necessário quebrar com o silêncio que rodeia este fenómeno, começando pela consciencialização de que estes comportamentos são indesejados e prejudiciais. “Todos os agentes educativos devem ter presente que cada criança e jovem pensam de uma forma muito particular e o que pode não passar de uma simples brincadeira para uns, pode ser sentido como um forte ataque por outro”, adverte Tânia Paias.

Deve-se, assim, apostar em programas de intervenção que incentivem o respeito por cada um, focando-se nas questões da convivência, cidadania e que ajudem a perceber as implicações emocionais de determinados comportamentos. “É necessário que se convidem técnicos ao espaço escolar, que se realizem debates, que se chamem os pais à escola, que se fomente uma boa rede entre todos estes sistemas e se apliquem programas de competências. Desta forma, estaremos a agir preventivamente e não somente quando a situação já se tornou insustentável”, salienta a psicóloga.

O número ninguém sabe ao certo, mas estima-se que muitos alunos estejam envolvidos em situações de bullying, quer no papel de vítima, quer como agressor ou até mesmo enquanto espetador. Contudo, os resultados do estudo Health Behavior School Aged Children(HBSC/OMS), realizado em 2002, 2006 e 2010, com a colaboração da Organização Mundial de Saúde, dão conta de que tem havido um decréscimo tanto dos alunos que dizem ser vítimas de bullying como dos que se assumem como agressores. Será este um sinal de que os comportamentos estão a mudar e de que os esforços realizados estão a dar fruto?

Fontes:

Tânia Paias, psicóloga e diretora do Portal Bullying
Helena Fonseca, Pediatra, especialista em Adolescência - Responsável pela Consulta de Medicina do Adolescente no Departamento de Pediatria do Hospital Santa Maria
  • MSN. Saúde e Bem estar. QUINTA, 31 JANEIRO 2013 

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