A obra vasta e complexa de Pontes de Miranda faz com que o autor seja considerado único no direito brasileiro. Até hoje, suas obras estão entre as mais citadas na jurisprudência
Um trabalho com o tamanho de uma enciclopédia, com ampla abordagem, feito por um único autor poderia ser suficiente para colocá-lo na história da produção intelectual brasileira. Para se referir à produção de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, contudo, é preciso somar aos 60 volumes do “Tratado de Direito Privado” os comentários a quatro constituições federais do Brasil ao longo do século 20 e comentários ao Código de Processo Civil. Há ainda os estudos de Matemática, das Ciências Sociais e obras de poesia. O autor é considerado um dos mais citados na jurisprudência brasileira. Não só a quantidade de sua produção e das referências a ele, mas também o nível de complexidade da obra de Pontes de Miranda fazem com que os estudiosos que o adotam como fonte se comportem como verdadeiros seguidores.
O professor de Direito Civil da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Marcos Bernardes de Mello considera que não há um só jurista no século passado cuja obra tenha se aproximado da produção intelectual de Pontes de Miranda. “O interessante é que não era um sábio. Era um gênio. Acima da cabeça de todos nós. Escreveu 252 volumes, a maioria com mais de 500 páginas. Uma obra fora do comum.” O jurista ressalta que não é o fato de ser conterrâneo do autor – Pontes de Miranda nasceu em Maceió, em 1892 – que o faz admirá-lo tanto, mas a “precisão científica com que ele trabalha o direito”.
Depoimento
“Há um fato que recordo do final de minha vida estudantil na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Era 1978, o país aspirava redemocratização, anistia, eleições diretas e o restabelecimento pleno de garantias constitucionais, e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) realizava, em Curitiba, histórico evento sobre Estado de Direito. Lá estava Pontes de Miranda, que a convite do Centro Acadêmico Hugo Simas se dispôs, além de sua conferência programada, a falar mais aos jovens estudantes. Encantou a todos. O tempo passou, e o encanto transformou-se em admiração acadêmica pelo jurista que, em tal condição, do Direito Civil ao Direito Constitucional não teve nem tem sombreamento até hoje no Brasil, merecendo suas luzes o respeito inclusive daqueles que divergem de suas ideias.”
Luiz Edson Fachin, professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Do direito à literatura
Ao longo de sua vida, Pontes de Miranda produziu mais de 80 obras, não só no direito, mas também na literatura e nas ciências sociais. Veja algumas delas:
• Comentários à Constituição Final de 10 de Novembro De 1937
• Comentários à Constituição da República E. U. Do Brasil - Tomo I e II
• Comentários à Constituição de 1946
• Comentários à Constituição de 1967
• Comentários ao Código de Processo Civil
• Tratado das Ações
• Tratado de Direito Privado
• Os Fundamentos Atuais do Direito Constitucional
• Os Novos Direitos do Homem
• Poèmes Et Chansons (Poemas e Canções)
• Introdução à Sociologia Geral
• Kant e a Cultura Geral
• Begriff Des Wertes Und Soziale Anpassung (Tradução: Conceito de Valor e Adaptação Social)
• Betrachtungen, Moderne Welt (Tradução: Reflexões, Mundo Moderno)
Mello escreveu três livros publicados com base na Parte Geral (que abrange do primeiro ao sétimo volume) do “Tratado de Direito Privado”, que tratam de temas como existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos. Essa parte é considerada uma das mais importantes da obra do autor por muitos de seus estudiosos.
Mas, segundo o professor da UFAL, Pontes de Miranda tinha uma percepção diferente e considerava o “Tratado das Ações”, de 1971, seu trabalho mais relevante pela inovação que apresentava ao criar a classificação quinária das ações.
Jurisprudência
Luiz Edson Fachin, professor-titular de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR), atribui a grande quantidade de citações de Pontes de Miranda na jurisprudência brasileira ao fato de seu pensamento se diferenciar “da reprodução rasteira, acrítica e assistemática do conhecimento jurídico atualmente consumido”. Esse é um dos motivos, segundo ele, para a obra do autor, que morreu em 1979, ter se imunizado “contra a força corrosiva do fluir do tempo”.
A teoria de Pontes de Miranda é “respeitada como coisa definitiva” na opinião de Mello, da UFAL. Por isso, quem cita o autor sabe que “para contrariar é preciso ter muita sapiência”.
Leitura complexa
Quando, nos anos 1970, o jovem estudante Alcides Tomasetti Jr. abriu o “Tratado de Direito Privado”, não imaginava que estava encontrando o autor que o inspiraria pelo resto da vida. Era o primeiro ano de faculdade do estudante, e ele se surpreendeu por encontrar na complexa obra não apenas a matéria que procurava estudar, mas o conteúdo com uma profundidade de assustar. Nos anos subsequentes, o jovem sempre carregava consigo um dos volumes do tratado e os lia quando as aulas estavam chatas.
Hoje, professor de Direito Civil da Universidade de São Paulo (USP), Tomasetti Jr. relembra que nem sempre entendia tudo o que lia na obra de Pontes de Miranda nos tempos de estudante, mas seguia em frente com a leitura. Depois ele veio a perceber que essa atitude é correta e ajuda a compreender melhor a obra de Pontes de Miranda porque, muitas vezes, o conteúdo que está mais adiante na leitura contém as explicações necessárias.
“É uma leitura difícil, há um estilo nem sempre acessível, mesmo para as pessoas mais experimentadas na leitura”, reconhece o professor da USP, “mas a dificuldade pode ser vencida pelo hábito”.
Pontes de Miranda também escreveu alguns trabalhos em alemão e francês. Mas apesar da relevância de trabalhos, como o “Tratado de Direito Privado”, não há traduções para outros idiomas. Pesquisadores atribuem o fato tanto à complexidade da obra, quanto à pouca difusão da Língua Portuguesa no mundo acadêmico em comparação a outros idiomas.
Gazeta do Povo. Justiça e Direito. 01.02.2013.
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