Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Diego García-Sayán, afirmou que a Corte não deve ser utilizada como instância de revisão de sentenças penais proferidas pelas Supremas Cortes de outros países. "Nós não somos uma quarta instância que revisa as penas para reduzi-las ou não", disse García-Sayán, referindo-se ao sistema judicial da maioria dos países latino-americanos em que o Supremo local é a terceira instância.
Segundo García-Sayán, a função da Corte Interamericana não é a de interferir ou revogar decisões dos Supremos locais, mas sim, a de promover um diálogo com os países para que eles respeitem e cumpram as normas da Convenção Americana de Direitos Humanos — o Pacto de San José, que foi ratificado pelo Brasil em 1998.
O presidente da Corte Interamericana quer ter uma relação mais próxima com o presidente do STF. "Seria muito importante contar o que estamos fazendo e o impacto que isso tem para melhorar os direitos humanos, não porque a Corte esteja impondo algo, mas sim porque dinamiza forças democráticas nacionais", afirma. Leia alguns trechos da entrevista:
Valor Econômico — No julgamento do mensalão, 25 pessoas foram condenadas, incluindo políticos importantes que pretendem recorrer à Corte. Em quais condições a Corte revê decisões penais como essa proferida por um Supremo de um país?
Não posso falar do caso específico, pois não poderia adiantar um eventual voto sobre algo que pode chegar a Corte. Mas o que posso dizer é que a Corte não é um tribunal de quarta instância que revisa as penas para reduzi-las ou não. A Corte pode verificar o cumprimento ou não das garantias processuais e dar, eventualmente, alguma reparação, como, talvez, o direito a um novo processo. Mas a Corte Interamericana não é um tribunal penal que substitui ao nacional. Esse é o único que pode ditar sentenças penais. A Corte Interamericana não é feita para se recorrer como outra instância penal.
Como podemos definir a atuação da Corte?
É um tribunal que busca que as condutas das autoridades se adequem às obrigações internacionais que os Estados se acertaram como aquelas que se orientam à proteção e garantia dos direitos das pessoas. É dizer aos Estados que se organizem para garantir os direitos humanos que estão escritos na Convenção. Os Estados não cumprem os direitos humanos somente abstendo-se de torturar ou de matar as pessoas. Cumprem tendo um sistema judicial e administrativo que garanta procedimentos adequados, que seja acessível, que dê garantia às pessoas.
Enquanto o Brasil tem foro privilegiado pelo qual autoridades só são julgadas no STF, a Corte defende o duplo grau de jurisdição pelo qual é possível recorrer para outra instância. É possível que a Corte faça uma recomendação para o Brasil pôr fim ao foro?
A Corte não emite conceitos em abstrato. Resolve casos concretos ou responde a solicitações de opinião consultiva. E esse tipo de solicitação não teria um caráter vinculante, a decisão não teria um caráter obrigatório. Mas temos que dizer que a pluralidade de instâncias é um elemento importante. O que não quer dizer que isso tenha que ser feito de maneira imediata, ou que casos sem mais de uma instância estariam violando os direitos humanos. A Corte tem que analisar as particularidades de cada caso. Um processo penal é diferente de um processo administrativo ou tributário ou outro que tenha a ver com motivos políticos. São modalidades e ritmos diferentes.
Em quanto tempo um recurso contra uma condenação penal de um Supremo pode chegar à Corte e ser julgado?
Um caso só chega à Corte depois de submetido e examinado pela comissão, em Washington. Às vezes, demoram anos. Mas a Corte entende que o cumprimento dos prazos deve ser exemplar. Pedimos aos Estados que adiantem os seus trâmites, senão a Corte não pode fazê-lo. Por isso, são feitos muitos esforços para que os casos que antes demoravam entre 20 e 40 meses, sejam decididos em 15 meses, no máximo. Menos não podem durar, pois temos que dar às partes o tempo necessário para a apresentação de provas. Mas o tempo de demora para chegar à Corte depende da comissão.
O sr. acha que a transmissão ao vivo dos julgamentos, como ocorre no STF, pode interferir no resultado?
Até pode interferir, mas devo fazer uma ponderação. Como ser humano, como democrata, eu sempre prefiro a publicidade. Quando assumi a Presidência dessa Corte, tive a preocupação de que a publicidade fosse efetiva não apenas para as pessoas que podem participar fisicamente das audiências da Corte, na Costa Rica. Assegurei a publicidade das audiências pela internet. Pessoalmente, acredito que os meios de comunicação e o jornalismo são muito importantes, pois nos permitem explicar e responder perguntas para que as pessoas formem as suas próprias opiniões sobre o que estamos fazendo.
Os tribunais dos países estão absorvendo as decisões da Corte Interamericana?
Nos últimos dez anos, as instituições estão utilizando cada vez mais as decisões da Corte e essa incorporação vem em grande parte das Supremas Cortes nacionais. Não são apenas os juízes locais. É extraordinário o dinamismo com que as instituições nacionais estão digerindo, assimilando e utilizando as decisões da Corte Interamericana.
Quais países absorveram as decisões da Corte?
Isso aconteceu em distintos países, como o México, a Colômbia, o Peru e a Argentina. Eles têm elemento em comum: a velocidade com que essas mensagens foram incorporadas. Sempre haverá lugar para se aplicar as decisões da Corte e para que se aplique a Convenção Americana como se fosse a Constituição para todos.
E no caso de Brasil qual é a sua avaliação sobre a incorporação das decisões da Corte?
Veja, eu acredito que com o Brasil temos uma relação mais tênue. Tivemos um período de audiência, há muitos anos, com o Brasil num espaço basicamente acadêmico. Nos outros países, tivemos audiências em espaços judiciais. No Peru, estivemos no coração da Suprema Corte. No México, fomos ao auditório da Suprema Corte e foi muito positivo quando o presidente do tribunal não apenas defendeu o controle de convencionalidade, mas fez um curso sobre a sua aplicação para todos os juízes federais. Ele disse que os juízes tinham que cumprir não apenas a Constituição daquele país, mas também as decisões da Corte. Disse que essa era a obrigação dos mexicanos com a Constituição porque assim haviam se comprometido e que isso é necessário para que os direitos humanos sejam protegidos.
Revista Consultor Jurídico, 19 de fevereiro de 2013
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