Com alguma frequência, e, mais recentemente, a propósito do julgamento da Ação Penal 470, a opinião pública vem se manifestando no sentido de que se devam fixar em alto patamar as penas aplicáveis a crimes cometidos em detrimento da administração pública, em especial a corrupção (solicitação ou recebimento, por funcionário público, de vantagem indevida) e o peculato (apropriação, desvio ou furto de bens ou valores na posse do funcionário), em razão das consequências sociais decorrentes da prática de tais condutas delituosas.
Não raro comparam-se as aludidas condutas criminosas ao crime doloso contra a vida de homicídio, sob o argumento — sedutor, à vista desarmada — de que o prejuízo causado à administração pública tem como consequência a impossibilidade de o Estado arcar com direitos básicos e essenciais que deveriam ser garantidos à população e, em última análise, a violação à integridade física e à vida de milhares de cidadãos brasileiros.
É preciso que se veja, no entanto, que as inegavelmente nefastas consequências socioeconômicas decorrentes da prática de tais crimes já foram por certo consideradas pelo legislador quando instituiu a escala penal — ou seja, as penas mínima e máxima — de cada um deles. Assim, não por acaso, e sim por conta da relevância dos bens jurídicos protegidos em cada caso, prevê o Código Penal, para o crime patrimonial de apropriação indébita, pena de um a quatro anos de reclusão, e para o crime de peculato — aí incluído o peculato apropriação — a pena de dois a 12 anos!
Também dispôs o legislador sobre os critérios dos quais o magistrado deve se valer para aplicar, em casos concretos, as penas sugeridas pela acima referida escala penal. Entre eles, é bem verdade, está prevista a circunstância relativa às consequências do crime. Parece óbvio, contudo, que se está ali tratando de suas consequências imediatas. O Direito Penal, como sabido, pune condutas determinadas e seus resultados diretos, desejados ou ao menos previsíveis. Qualquer extrapolação acerca da definição das consequências imediatas, que integram o delito, implicará em clara violação do princípio da legalidade, que constitui um legado irrevogável do Estado democrático de Direito.
Por outro lado, sabe-se que o acusado deve conhecer todas as circunstâncias que poderão ser objeto de futura eventual sentença condenatória, inclusive aquelas referentes à dosimetria da pena. Essa exigência correspondente ao princípio constitucional do exercício da defesa ampla. E parece bastante óbvio não ser possível ao réu defender-se de acusações consistentes em fatos absolutamente difusos e indeterminados, que consistiriam em consequências indiretas, tais como a falta de atendimento eficiente em hospitais ou de adequada moradia para a população.
As consequências sociais e mediatas advindas da prática de crimes não podem ser tomadas em conta no momento em que o juiz aplica a pena ao caso concreto pelo simples motivo de que isso não está previsto em lei. As circunstâncias a serem consideradas para fundamentar a pena a ser aplicada estão previstas expressa e taxativamente no Código Penal. Isso é Direito Penal, o resto é demagogia.
Fernanda Tórtima é advogada, conselheira da OAB-RJ.
Revista Consultor Jurídico, 5 de setembro de 2012
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