quinta-feira, 8 de março de 2012

Encarceradas e abandonadas

Imagens de uma detenta algemada logo após o parto trazem à tona as violações de direitos das mulheres encarceradas; debate enfoca situação .


Patrícia Benvenuti
Da redação


As imagens de uma detenta algemada à cama de um hospital depois de dar à luz trouxeram novamente à tona as violações de direitos das mulheres encarceradas.

O caso ocorreu no município de Francisco Morato, na região metropolitana de São Paulo (SP). Elisângela Pereira da Silva foi presa na cama pelo braço e pela perna logo após o nascimento de sua filha na Santa Casa da cidade. 
Ela ainda relata agressões físicas por parte de agentes penitenciários. Segundo os funcionários do hospital, que gravaram as imagens, a paciente também foi impedida de ver e amamentar a criança até dois dias depois do parto. 
Elisângela está presa desde agosto do ano passado, acusada de furtar um enxoval de bebê, e aguarda julgamento. 
Denúncias semelhantes já partiram de outras presas, apesar de o Brasil ser signatário de um acordo na ONU que determina a proibição de algemas e outros métodos durante os procedimentos do parto. 
A fim de discutir essas e outras questões referentes à realidade das mulheres presas, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) promoverá, nesta quarta-feira (07), em São Paulo (SP), o debate “Mulheres encarceradas: avanços e retrocessos”. 
A mesa terá participação de Heidi Ann Cerneka (coordenadora da Pastoral Carcerária Nacional para as questões femininas, Instituto Terra Trabalho e Cidadania e  Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas) e Fernanda Emy Matsuda (advogada, coordenadora do núcleo de pesquisas do IBCCRIM e mestre em sociologia e doutoranda pela USP). 
O debate ocorre na semana do Dia Internacional de Luta das Mulheres, em 8 de março, e seu objetivo, segundo Heidi Ann Cerneka, será fazer um balanço das políticas voltadas para mulheres encarceradas. 
A coordenadora da Pastoral Carcerária destaca alguns avanços obtidos nos últimos anos, como a lei 11.942/2009, que garante à presa o direito de amamentar e conviver com a criança até seis anos, e o direito à visita íntima em muitas unidades prisionais. 
Heidi também destaca que, por meio da Lei de Medidas Cautelares, algumas mulheres estão sendo colocadas em liberdade provisória e, com isso, podem amamentar seus filhos em casa. 
A maior parte dos avanços, segundo Heidi, ocorre devido à grande proporção de mães dentro do sistema penitenciário. "Mais de 80% das presas são mães, e a maior preocupação delas, no geral, é sobre seus filhos”, afirma. 
Falhas 
Se por um lado há melhorias, por outro ainda há muitas deficiências no sistema penitenciário em relação às mulheres encarceradas.  Problemas comuns às prisões – como superlotação, insalubridade, violência, morosidade nos processos - também alcançam as mulheres. Entretanto, Heidi lembra as mulheres possuem demandas específicas que estão longe de ser contempladas. Um exemplo é a questão da saúde, que continua precária. 
“Hoje em dia faltam médicos em todas as unidades. E as mulheres, pela faixa etária [a maioria tem entre 20 e 35 anos], têm mais necessidade de atendimento por causa da saúde reprodutiva”, explica.
Outro problema, de acordo com Heidi, é a concentração de unidades prisionais femininas nas capitais. Com exceção de São Paulo, que possui diversas unidades, há poucos locais próprios para mulheres, o que faz com que a presa, muitas vezes, fique distante de sua família. 
“Tem estados que tem uma ou duas penitenciárias femininas, e elas acabam ficando em cadeias mistas, com os homens. Geralmente elas preferem ficar no lugar mais imundo do planeta, mas perto da família”, destaca.
E são justamente as questões familiares que mais penalizam as mulheres. Heidi lembra que, diferente de muitos homens, que possuem um lar para onde retornar depois da prisão, as mulheres – a maioria mães solteiras - costumam perder seus elos afetivos no período em que estão encarceradas.
“Quando a mulher está presa, muitas vezes ela perde a casa, os filhos são espalhados. Quando ela sai, tem que reconstruir toda uma vida. E, se as crianças forem para um abrigo, ela não vai conseguir buscá-las até mostrar ao juiz que tem uma casa e uma renda para mantê-las”, explica.
Segundo dados de junho 2011 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 35.596 mulheres estão encarceradas no Brasil, o que representa 6,9% da população prisional, que é de 513 mil detentos. O déficit de vagas femininas gira em torno de 15 mil, contra 193 mil masculinas.
Perfil
A falta de assistência judiciária é outra deficiência enfrentada pelas presas que, por via de regra, também são pobres. A maioria dessas mulheres tem idade entre 20 e 35 anos, são negras ou pardas, possuem baixa escolaridade e são chefes de família. Roubos e furtos ainda são causas comuns de encarceramento, mas já não são as principais. A cada ano, cresce o número de prisões por atos ilícitos associados ao tráfico de drogas. Hoje, 64,7% das mulheres estão detidas por esse tipo de crime, o que contribui para o crescimento da população prisional feminina.
De acordo com o Depen, entre 2000 e 2010, o número de presos homens passou de 240 mil para 496 mil - um aumento de 106%. Já o numero de mulheres presas, no mesmo período, aumentou 261%, pulando de 10 mil para quase 36 mil.
Para a advogada Fernanda Emy Matsuda, a conseqüência do inchaço das prisões femininas é uma precarização ainda maior do atendimento jurídico. Atualmente, as defensorias públicas estão encarregadas da defesa das detentas, mas o número de defensores é insuficiente diante da demanda.
“Tem um crescimento muito grande da população prisional feminina especialmente por conta do tráfico de drogas, e esse aumento vem agravando esse quadro de insuficiência de serviços”, afirma.
Outro ponto problemático, para Fernanda, se refere ao sistema de progressão de penas. Ela lembra que faltam vagas para mulheres no regime semiaberto, o que faz com que muitas permaneçam no regime fechado. Além disso, a advogada alerta para o grande número de prisões provisórias, que contribuem para o inchaço das unidades prisionais.
“A prisão provisória pode durar anos, e a pessoa no final ainda ser absolvida ou condenada a uma pena diversa da privação da liberdade. Está havendo um uso abusivo da prisão provisória”, avalia.
Nesse sentido, além de corrigir as falhas já existentes do sistema penitenciário, Fernanda aponta a necessidade de criar medidas que auxiliem as mulheres fora da prisão, garantindo-lhes melhorias de vida.
“Essa mulher que recorre ao crime é alguém que já está vulnerável. Não tem como a gente falar que a situação dela depois da prisão vai melhorar. Muito pelo contrário. A gente tem que pensar em políticas públicas de uma forma mais ampla, para além da prisão”, defende.

Serviço
Mesa de Estudos e Debates “Mulheres Encarceradas: Avanços e Retrocessos”
Dia 7 de março (quarta-feira), das 9h30 às 12h30 
Auditório do IBCCRIM (Rua Onze de Agosto, 52, 2º andar - Centro - São Paulo)
Inscrições gratuitas no portal do IBCCRIM (www.ibccrim.org.br)
Informações: mesas@ibccrim.org.br ou (11) 3111-1040, ramais 156
O seminário poderá ser acompanhado ao vivo pelo endereço eletrônicoitv.netpoint.com.br/ibccrim

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