terça-feira, 27 de março de 2012

Demência nas prisões dos EUA gera desafio


A quantidade cada vez maior de criminosos perigosos, condenados à prisão perpétua nos Estados Unidos, que envelhecem na cadeia e desenvolvem demência, está fazendo com que outros prisioneiros, tão perigosos quanto os colegas de cárcere, tenham de fazer o papel de enfermeiros - entre outras maneiras de lidar com essa nova situação.
Um deles é Secel Montgomery Sr., que esfaqueou uma mulher no estômago, no peito e na garganta com tanta fúria que perdeu a conta de quantos golpes desferiu. Nos quase 25 anos em que está preso na Colônia para Homens da Califórnia, envolveu-se em brigas, ameaçou um agente penitenciário e foi pego com maconha. Apesar disso, recebeu a incumbência de cuidar de colegas com Alzheimer e outros tipos de demência, dando-lhes banhos e até trocando fraldas.
Demência na prisão é um fenômeno ainda pouco comentado nos EUA, mas que está crescendo com rapidez - e muitas das prisões do país não estão preparadas para lidar com ele. É uma consequência não prevista das políticas de "tolerância zero" com a criminalidade. Cerca de 10% dos 1,6 milhão de presidiários nos EUA cumprem prisão perpétua, enquanto outros 11% receberam penas de mais de 20 anos.
E mais idosos estão sendo mandados para a cadeia. Em 2010, 9.560 pessoas de 55 anos ou mais foram condenadas, mais que o dobro do número relativo a 1995. Nesses 15 anos, o número de presidiários com pelo menos 55 anos quase quadruplicou, chegando a cerca de 125 mil, segundo a ONG Human Rights Watch.
Especialistas em saúde também afirmam que a população carcerária parece ser mais suscetível a sofrer de demência que a população em geral, por normalmente possuírem alguns fatores de risco, como baixo nível educacional, hipertensão, diabete, fumo, depressão, uso de drogas e até mesmo ferimentos na cabeça causados por brigas e outros tipos de violência.
Muitos Estados também consideram os presidiários com mais de 50 anos como idosos, dizendo que eles chegam até essa idade com a saúde de alguém com até 15 anos a mais.
Gastos. Com tantas prisões já superlotadas e com carência de funcionários, presidiários com demência apresentam um desafio muito difícil. Eles são caros - gastos médicos para os idosos são de três a nove vezes maiores que os dos prisioneiros mais jovens. Eles também precisam ser protegidos contra outros condenados, que se aproveitam de sua fragilidade para abusar deles. E, porque a demência os torna paranoicos ou confusos, sentimentos já exacerbados pela vida na cadeia, alguns atacam funcionários ou colegas ou provocam brigas por entrarem na cela errada.
Algumas prisões estão em busca de soluções para o problema. Muitas gostariam de transferir os presos com demência para casas de saúde, mas a violência de seus crimes normalmente gera uma grande relutância do Estado em conceder-lhes liberdade condicional - assim como muitas instituições de saúde temem recebê-los.
O Estado de Nova York tomou o caminho mais caro, criando unidades separadas para presidiários com demência e contratando profissionais para cuidar deles. Enquanto cada preso comum gera um gasto de US$ 41 mil por ano, aqueles com demência custam mais que o dobro, US$ 93 mil.
Outros Estados, como a Pensilvânia, estão dando treinamento especial para profissionais da saúde.
Mas outros locais, como a Califórnia e a Louisiana, estão adotando uma solução mais barata, mas potencialmente mais arriscada: estão treinando prisioneiros para lidar com necessidades diárias de seus colegas idosos e doentes.
Pagamento. Na Colônia para Homens da Califórnia, os presos que ajudam os colegas com demência ganharam o apelido de "casacos dourados", por causa do uniforme especial que recebem ao assumir a função - a cor normal é a azul. "Sem eles, não seríamos capazes de cuidar muito bem de nossos pacientes com demência", disse uma psicóloga da unidade, Cheryl Steed.
Nessa prisão, os casacos dourados recebem um pagamento mensal de US$ 50 e, por causa do treinamento que recebem de uma associação especializada em Alzheimer - com direito a distribuição de manuais bastante extensos -, têm muito mais conhecimento sobre a doença que os guardas.
Foi um deles que percebeu que o prisioneiro Joaquin Cruz, de 60 anos, começou a colocar as botas nos pés errados e a fazer suas necessidades fora do banheiro. Essas mudanças são comunicadas durante um encontro semanal do grupo de casacos dourados com psicólogas. "Eles desenvolvem diferentes truques e estratégias para fazer com que os doentes façam o que tenham de fazer", diz Cheryl.
Antes de o programa ter início, em 2009, os prisioneiros com demência frequentemente causavam brigas. "A atmosfera era muito mais hostil", diz outra psicóloga do local, Bettina Hodel. Atualmente, a unidade conta com 6 casacos dourados, que cuidam de um grupo de 40 presidiários que sofrem de doenças como Alzheimer. 

/ NYT

Fonte: O Estado de São Paulo.

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