Uma mensagem de e-mail com tom de desabafo, por si só, não prova crime de condescendência. Ou seja, que funcionário deixou de denunciar supostas irregularidades sobre as quais tinha conhecimento. E só existe condescendência criminosa se houver relação de subordinação entre os acusados. Esses foram os principais fundamentos para que a 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) trancasse uma Ação Penal movida contra a ex-secretária de Desenvolvimento e Promoção Social de Campos dos Goytacazes (RJ), Ana Regina Campos Fernandes.
Ana Regina foi denunciada com outras 17 pessoas. Ela foi acusada de integrar uma quadrilha que fraudava licitações. A ex-secretária teve interceptada mensagem de e-mail que enviou para o procurador do município. Nele, ela dizia que tinha documentos que podiam levar o secretário da Fazenda do município à cadeia. Segundo Ana Regina, os documentos são ofícios em que ela pedia verba para a Secretaria de Desenvolvimento e Promoção Social.
A mensagem foi entendida pelos desembargadores como desabafo em momento de raiva. Para o promotor de Campos, no entanto, a ex-secretária foi condescende com o suposto crime cometido pelos agentes públicos. Para a desembargadora Liliane Roriz, o diálogo travado no e-mail demonstra mais uma tentativa de salvar projetos da Secretaria do que condescendência com crimes.
O desembargador Messod Azulay observou que os dois secretários, de Fazenda e de Promoção Social, tinham o mesmo nível hierárquico. Por isso, não visualizou crime de condescendência criminosa. Ele lembrou, ainda, que se a hipótese de condescendência for utilizada sem qualquer critério, é melhor correr para a Delegacia, porque há muita coisa errada no país.
Azulay entende que caberia a abertura de inquérito para apurar o caso em relação à ex-secretária, mas considerou que não há justa causa para o processamento da Ação Penal. “Tem que separar o joio do trigo. Senão, vamos viver em um estado de terror”, afirma.
Para o desembargador, não há dúvidas de que é preciso apurar com rigor qualquer irregularidade. Mas, afirma ele, não se pode oferecer denúncia e “jogar tudo no mesmo saco e lá na frente é que vai ver”. Azulay observa que esse tipo de açodamento pode arrasar a vida de uma pessoa e pode atrapalhar a investigação. O desembargador deixou claro que se surgirem outros elementos, pode haver nova ação. Mas com os dados presentes, não há motivos que a justifique.
Liliane Roriz acompanhou o entendimento de Azulay. Para ela, o crime de condescendência não ficou suficientemente demonstrado na denúncia. A desembargadora explica que esse tipo de crime está ligado ao de formação de quadrilha.
O próprio Ministério Público Federal reconheceu, em parecer no Habeas Corpus em questão, que a denúncia quanto à formação de quadrilha estava inepta. Para a desembargadora, se a denúncia de formação de quadrilha está inepta, a de condescendência também está. Azulay e Liliane Roriz constataram que houve excesso em relação à ex-secretária.
Vencido, o desembargador André Fontes entendeu que o trancamento da ação era prematuro. Para ele, no decorrer do processo, a ex-secretária poderia provar que não era culpada.
O crime de condescendência é previsto no artigo 320, do Código Penal. O crime consiste em “deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente”. A pena prevista é de detenção de 15 dias a um mês ou multa.
Acompanhada do advogado Dacione Nunes, Ana Regina assistiu ao julgamento do HC no TRF-2. Chorando muito, a ex-secretária se lamentava de ter sido envolvida no episódio e ter seu rosto estampado nas páginas dos jornais da cidade.
A Operação Telhado de Vidro, da Polícia Federal, deflagrada em março de 2008, apontou o prefeito de Campos, Alexandre Mocaiber, e outros agentes públicos do município como integrantes de uma quadrilha que fraudava licitação e contratava funcionários de forma irregular. Segundo a Polícia Federal, o grupo teria desviado mais de R$ 240 milhões.
Processo 2008.02.01.005211-8
Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2008
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