“Precisamos separar o crime de asfalto do crime organizado”. Com esta afirmação, o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, começou sua exposição durante a abertura do seminário “Crime organizado e segurança pública no Brasil: agenda e estratégias”, que aconteceu sexta-feira (15) no morro do Cavalão, em Niterói, no Rio de Janeiro.
Para Beltrame, que vem implementando uma política de segurança baseada no confronto com os criminosos, o crime que atinge o cidadão comum no seu dia-a-dia, é bem diferente do cometido pelas organizações criminosas. “O crime organizado envolve lavagem de dinheiro e sonegação fiscal movimentando uma soma vultosa de dinheiro. O que vemos no Rio é uma criminalização da política e uma politização do crime”, afirmou.
E foi mais além. Beltrame chegou a questionar se existe realmente crime organizado no Rio. “Crime organizado pressupõe uma estrutura formal. O que o Rio tem hoje são facções criminosas consorciadas e eu não sei se isso é crime organizado,” indagou.
Lugar simbólico
A organização do seminário dentro de uma sala de aula numa favela do Rio de Janeiro tem um valor simbólico. É lá que funciona há quatro anos um dos projetos de policiamento comunitário mais bem-sucedidos do estado: o Grupamento de Policiamento de Áreas Especiais (GPAE) da Polícia Militar.
Inspirado em um projeto da polícia de Boston, nos Estados Unidos, o GPAE do Rio tem como linha de atuação a aproximação entre a polícia e a comunidade trazendo segurança e qualidade de vida aos moradores. “Aqui a polícia trabalha em parceria com os moradores solucionando eventuais problemas junto à comunidade e mantendo a ordem”, explicou o capitão Felipe Gonçalves Romeu, comandante do GPAE do Cavalão.
E tem dado certo. A estratégia que une policiamento e projetos sociais fez com que acabassem os confrontos entre facções criminosas e o número de homicídios caísse para zero. Um dos projetos é o Cavalão com Arte em que policiais músicos fazem apresentações junto com jovens da comunidade no palco montado dentro da unidade.
Questões
Aos palestrantes foram colocadas três questões: “Qual é o papel que o Brasil desempenha no crime organizado na América Latina?”, “Quais são as ameaças trazidas pelo crime organizado para a segurança pública no Brasil?” e “Descreva quais são as políticas que sua área de governo tem desenvolvido e aplicado para diminuir a intensidade destas ameaças e para lidar com o problema do crime organizado?”.
Para Guaracy Mingardi, sub-secretário Nacional de Segurança Pública, existe, sim, crime organizado no Rio pois, além da divisão de tarefas, o que diferencia uma organização criminosa de uma quadrilha é o vínculo com o aparelho do Estado. “Esse vínculo pode se dar através de práticas de corrupção ou de influência”, explicou.
O deputado federal Raul Jungmann, presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara Federal, desenvolveu a tese de Mariano Beltrame sobre a criminalização da política e a politização do crime. "Hoje, no Rio, o político definitivamente faz parte do crime e o traficante resolveu apoiar os políticos. Essas duas partes interagem nitidamente", afirmou o secretário.
Segundo Jungmann, esse não é um fenômeno exclusivo do Rio onde a ação das milícias nas favelas do estado chegou a tal ponto que gerou os chamados “currais eleitorais” onde a população é levada a votar em representantes desses grupos. “O crime encontrou uma representação no estado através da política que lhe permite ter acesso a cargos no aparelho do Estado. A interseção entre política partidária e crime se dá na figura das milícias,” afirmou.
Além destes, estavam presentes como palestrantes também o delegado Cláudio Ferraz, titular da Delegacia de Repressão a Ações Criminosas e Crime Organizado (Draco), e Renato Sérgio de Araújo, gestor estratégico de Inteligência da Região Sudeste da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Após a rodada de exposições dos palestrantes, especialistas e pesquisadores de várias instituições discutiram as questões abordadas na primeira fase.
O seminário faz parte das reuniões do Grupo Brasil do Programa de Cooperação em Segurança Internacional da Fundação Friedrich Ebert (FES), da Alemanha. O Grupo Brasil em Segurança Regional, formado por acadêmicos, membros da sociedade civil e funcionários de governo, é co-coordenado por Pablo Dreyfus, do Viva Rio, e pelo professor Alcides Costa Vaz, da Universidade Nacional de Brasília (UnB).
Estavam presentes também Hans Mathieu, diretor do programa da FES, Antonio Rangel Bandeira, do Viva Rio, Rubem César Fernandes, diretor-executivo do Viva Rio, e Cássio França, diretor de Projetos da FES.
Representando o Grupo Brasil estavam presentes, além de Alcides Costa Vaz; Alexandre Martchenko (UCB), Denis Mizne, do Instituto Sou da Paz; Héctor Luis Saint-Pierre, da Unesp; Maria Helena de Castro Santos, da UnB; Pio Penna, da Universidade de São Paulo (USP); e Paula Miraglia, do Ilanud.
Nenhum comentário:
Postar um comentário