sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Artigo: Tentativa de homicídio culposo

Desde o "Jardim da infância do Direito", de que falava Heirinch Mittels, sabe-se que não há tentativa no crime culposo. Muito menos, nos crimes de mera conduta, nos omissivos próprios, nos preterdolosos e nas contravenções, por disposição expressa do artigo 4º da LCP.

Na culpa imprópria, ou por extensão, gerada por erro de tipo inescusável, pode ocorrer aparente configuração da tentiva, uma vez que o agente deseja o resultado [ois que levado por avaliação equivocada, ou precipitada, das circunstâncias.

Nélson Hungria afirmou, certa feita, que a tentativa de crime culposo é teratologia, uma fantasmagoria.

Por outro lado, culpa é a prática não intencional da infração penal mediante negligência, imprudência ou imperícia, cuja essência acha-se na previsibilidade, do "homo medius", ou do particular.

Recentemente, ao ler o livro "O Primeiro Ano", do escritor norte-americano Scott Turoe, graduado em Direito pela Harvard Law School, e, igualmetne, autor dos romances "O Ônus da Prova" e "Acima de Qualquer Suspeita", protagonizado no cinema por Harrison Ford, impressionei-me com o trecho abaixo, transcrito das páaginas 91 e 92, da 2º edição, da Editora Record.

"Pois não, Sr. Turow? - disse o professor Mann, olhando para seu mapa de lugares, a fim de confirmar meu nome.

Era a quarta semana de outubro e discutíamos os crimes inconclusos - crimes tentados, mas jamis consumados. A causa era a de um homem que entrara num bar, bêbado e visivelmente transtornado. Brandira uma arma, ameaçara diversos fregueses e finalmente, com a arma apontada para a cabeça do garçom, puxara o gatilho. A arma disparara. Mann nos perguntara como o caso seria classificado, nos termos do Código Penal Modelo. Os alunos folhearam o código e apresentaram diversas sugestões, agressão, tentativa de homicídio. O próprio Mann indagou se não poderia ser uma tentiva de homicídio culposo. Eu tinha a resposta para isso, muito inteligente, pensava, e levantei a mão.

-Não poderia ser tentativa de homicídio culposo - declarei. - As tentativas de crime são intencionais e o homicídio culposo é um crime não - intencional.

As pessoas sorriram ao meu redor. Ouvi alguém soltar uma exlcamação de admiração. Acertara em cheio. Um bom ponto.

Mann baixou os olhos do teto e fitou-me gentilmente.

-Não está ouvindo o vento assoviar por trás de você? Gelei.
Infelizmente, você entrou pelo alçapão no teto - ele acrescentou.
Enquanto eu sentava, Mann explicou que uma tentiva de homicídio intencional, havendo circunstância atenuantes, como embriaguez ou insanidade, podia ser classificada como tentativa de homicídio culposo, pelo código.

Eu cometera um erro"

A História do Direito Penal ensina que no início era o dolo. Depois, em pleno direito medieval, veio a culpa, através da negligência, da imprudência e da imperícia. Graças a Karl Von Schwarzenberg, na "Constitutio Criminalis Carolina", em pleno século XVI, chegou-se à idéia do "iter criminis", subdividido em "cogitatio", "conatus remotus", "conatus proximus" e "consumatio".
Scott Turow raciocinara em termos de "continental law", como se faz no Brasil. Mann corrigiu-o através dos preceitos da "common law", costumeiros, muito embora apoiado no Código Penal Modelo, escrito.

É do conhecimento dos operadores do Direito que o Direito Penal vem se democratizando desde a edição do "pequeno grande livro" do Marquês de Beccaria.
Será apodítica, dogmática, a afirmação de que não há tentativa em crime culposo?
Com quem a verdade? Com Hungria ou com Mann, da Harvard Law School? Será possível, no Brasil no próximo século, falar-se em tentativa de homicídio culposo? Ou em tentativa culposa, ao lado da dolosa? É o vir - a - ser do Direito Penal, que chegou à idéia da tentativa há menos de quatro séculos…

Você decide, "hic et nunc", qual seja, aqui e agora…

Carlos Alberto Marchi de Queiroz


QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Tentativa de homicídio culposo. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.15, p. 07, abril 1994.

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