Apesar do artigo 17 do CPP determinar, mandatoriamente, que "a autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito policial.", os Delegados de Polícia paulista, há muito tempo, vêm aplicando, nos pretórios policiais civis, enquanto "juízes de primeiríssimas e última instância", no saboroso dizer do inesquecível cronista Rubem Braga, aquilo que, na Alemanha, a partir de 1984, convencionou-se chamar de "Princípios da Insignificância" ou Geringfluhskeits Prinzip.
Nunca é demais lembrar que o artigo 17 do CPP foi introduzido no ordenamento processual penal brasileiro para, definitivamente, contrapor-se ao artigo 4º, § 9º da Lei nº 261 de 1841, revogado em 1871, que dizia competir aos Chefes de Polícia, em toda a Província e na Corete, e aos seus Delegados, nos respectivos distritos "remeter, quando julgarem conveniente, todos os dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com a exposição do caso e das circunstâncias aos juízes competentes, a fim de formarem a culpa".
Hoje, diante do novo princípio doutrinário, ousamos afirmar que, muito antes de sua cunhagem, sua essência tem sido aplicada pelas Autoridades Policiais integrantes da Polícia Civil de São Paulo, desde sua implantação em 19087, com inteira tolerância dos membros do Ministério Público e nobre compreensão da Magistratura bandeirante, através daquilo que se convencionou chamar, "interna corporis", de A.P. ou A.S., ou seja, autuações provisórias ou sumárias, de tão benéficos efeitos em termos de Política Criminal.
Lesões corporais levíssimas e até leves danos insignificantes, cheques sem fundos de pequeno valor, delitos do automóvel onde o comportamento vitimológico do ofendido assume tons dramáticos, são solucionados sob o mando do Princípio da Bagatela.
É certo que a falta de amparo legal para a aplicação desse princípio não invalida e nem compromete o comportamento da Autoridade Policial uma vez que a insignificância é detalhe que se mede através do conhecimento direito e imediato da realidade social pelo Plantonista ou pelo titular da Unidade Policial de dimensionamento e de verificação do mal do processo face ao mal da pena.
A propósito, convém lembrar a opinião de Francisco de Assis Toledo, em seu conhecido "Princípios Básicos de Direito Penal", neste sentido: "Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o Direito Penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatela. Assim, no sistema penal brasileiro, por exemplo, o dano do artigo 163 do CP não deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquele que possa representar prejuízo de alguma significação para o proprietário da coisa; o descaminho do artigo 334, § 1º. d, não será certamente a posse de pequena quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa expressão para o Físico; o peculato do artigo 312 não pode estar dirigido para ninharias como a que vimos em um volumosos processo no qual se acusava antigo servidor público de ter cometido peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de amêndoas; a injúria, a difamação e a calúnia dos artigos 140, 139 e 138, devem igualmente restringir-se a fatos que realmente possam afetar significativamente a dignidade, a reputação, a honra, o que exclui ofensas tartamudeadas e sem conseqüências palpáveis; e assim por diante."
Assim, a Autoridade Policial que, na solidão dos pretórios policiais, compõe as partes em conflito, não age segundo ditames do Direito Alternativo, corrente doutrinária moderna oriunda dos estados meridionais, mas sim no pragmatismo jurídico, sem ofensas ao ordenamento jurídico vigente, em comportamento que a coloca, por mais estranho que parecer aos teóricos, ao lado da Justiça e do Direito.
Carlos Alberto Marchi de Queiroz
QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. A autoridade policial e o princípio da insignificância. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.25, p. 03, jan. 1995.
Nenhum comentário:
Postar um comentário