terça-feira, 11 de julho de 2017

Distinguir as naturezas

* Wagner Dias Ferreira

No dicionário, a palavra distinção pode significar separação pelos sentidos ou pelo entendimento e diz sobre a palavra natureza que é a essência ou propriedade de um ser, caráter, índole, temperamento. Daí a expressão “sem distinção de qualquer natureza”, emplacada no caput do artigo quinto da constituição federal de 1988, adquirir uma amplitude que poucos aceitam.

Um homem em território brasileiro gozará de garantias sendo proibido impor a ele qualquer tipo de separação seja pelo que se percebe sensorialmente da pessoa, ou por qualquer tipo de entendimento a respeito dela. No entanto, o que mais se vê é pessoas sofrendo distinções.

Quando se vê alguém dormindo nas ruas ele está separado. Sofreu distinção em razão do modo de funcionamento da sociedade. O pensamento que vem à mente é ele é usuário de drogas, ou seja, a justificativa de quem constata a situação já é uma distinção. Eis que a Constituição veda a “distinção de qualquer natureza” quando usa a expressão “sem” de forma que, mesmo sendo usuária de drogas a pessoa não pode sofrer a distinção. No Tolerância Zero de Nova York, havia  preocupação com a criação de abrigos para carentes nas ruas.

Está comum ver notícias sobre o modo inclusivo com que o Brasil trata os refugiados. Recebe pessoas de múltiplos lugares do mundo e providencia carteira de trabalho para que circulem no país e possam trabalhar. Este é um exemplo do comportamento institucional que não distingue as pessoas. Mas o tratamento dado aos refugiados põe em cheque o dos brasileiros natos. Muitas vezes sem as políticas públicas inclusivas para lidar com realidades extremas.

Quando esteve em Belo Horizonte, o ex-prefeito de Nova York, Rudolf Giulliane, ao falar sobre sua política de tolerância zero na segurança pública, registrou a preocupação com procedimentos sociais, que acompanhavam de perto o endurecimento policial.

No nosso país, temos visto crescer o endurecimento policial e estão reduzindo a preocupação social. É como se os governos estivessem provocando a explosão da panela de pressão.

É fácil observar em tempos de franco combate à corrupção no país que há políticos influentes e pessoas ricas condenadas pela justiça recebendo benefícios permitidos por lei, que não são vistos sendo aplicados em favor de pessoas pobres.

Por isso que o brasileiro precisa continuar pensando, refletindo, compreendendo e aplicando a expressão “sem distinção de qualquer natureza”. Aplicá-la como um princípio norteador da educação, para que não haja distinção de qualidade entre educação pública e privada; na defesa social para que não haja distinção entre pobres e ricos perante os órgãos de segurança e da justiça; na interpretação de qualquer texto legal, nos diversos comportamentos humanos, nas decisões judiciais, sempre atentos à igualdade se poderá provocar no país uma grande transformação cultural equacionando assim muitas distinções que precisam desaparecer.

* Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG

O artigo expressa a opinião do autor, o qual foi autorizado a publicação pelo mesmo.


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