Desde setembro de 2015, o índice de presos em flagrante que obtinham liberdade provisória em audiências de custódia no Rio de Janeiro variava em torno de 40%. Contudo, esse percentual agora flutua pela casa dos 20%, aponta levantamento da Defensoria Pública do Rio. O que motivou essa queda, segundo a entidade, foi a decisão do Supremo Tribunal Federal de relativizar a presunção de inocência e permitir a execução da pena após condenação em segunda instância.
Os dados serão apresentados no ato público “Não há culpa enquanto houver dúvida – em defesa da presunção de inocência”, que a Defensoria promove nesta terça-feira (11/9) em sua sede, no centro da capital fluminense.
O defensor Emanuel Queiroz, coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública, afirmou à ConJurque a virada jurisprudencial do STF veio após a corte e o Conselho Nacional de Justiça tomarem diversas decisões para frear o excesso de prisões. Como exemplo, citou a declaração de que o sistema penitenciário vive um estado de coisas inconstitucional e a implementação das audiências de custódia.
Em fevereiro de 2016, o Plenário do Supremo mudou sua jurisprudência e passou a permitir que, depois de decisões de segundo grau que confirmem condenações criminais, a pena de prisão já possa ser executada. Com isso, a corte voltou à posição vigente até 2010 — data em que decidiu que a Constituição é literal ao dizer, no inciso LVII do artigo 5º, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O entendimento foi confirmado em outubro do mesmo ano.
Até então, o número de presos em flagrante que recebiam liberdade provisória em audiências de custódia no Rio orbitava em torno de 40%. Em fevereiro de 2017, porém, o percentual começou a diminuir, contou Queiroz. E o índice alcançou a mínima da série histórica em abril de 2018, quando 20% dos acusados foram soltos.
De acordo com Emanuel Queiroz, o novo entendimento do Supremo passou a todo o Judiciário a mensagem de que a presunção de inocência não é absoluta. “Quando os ministros relativizam a presunção de inocência, eles orientam todo sistema em nesse sentido. As decisões do STF não têm somente efeito jurídico, mas também simbólico”.
Ou seja: se antes o Supremo e o CNJ vinham passando a mensagem de que era preciso limitar às prisões aos casos estritamente necessários, agora transmitem a ideia de que as detenções provisórias são uma medida necessária no combate ao crime e à impunidade.
“Havia um reconhecimento, pelo Judiciário, de que havia um excesso de prisões cautelares. Um ano depois, ele volta atrás e relativiza a presunção de inocência. Nisso, os monstros que vinham sendo contidos voltam a passear pelo sistema de Justiça. Então, os juízes de primeira instancia passam a prender sem critérios, pensado ‘se o STF pode, eu também posso’”, disse o defensor.
A intervenção federal na segurança do Rio também pode ter tido influência na redução de libertações provisórias em audiências de custódia, avaliou o coordenador de Defesa Criminal da Defensoria. Afinal, a medida sinaliza que é aceitável violar direitos na luta contra o crime organizado.
"No Direito Penal, a função do Judiciário é conter a força estatal. Ele deve atuar como um garantidor de direitos. Só que a intervenção no Rio não vem produzindo nada que não a violação de direitos da população periférica. E o juiz, como todo ser humano, é sujeito a sinais, assim como a administração do Judiciário. Portanto, a intervenção pode ter tido influência nesse cenário. O que demonstra, mais uma vez, a forma incerta como o Judiciário atua”, analisou Queiroz.
Revista Consultor Jurídico, 10 de setembro de 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário