*Este texto integra uma série de reportagens sobre as propostas dos candidatos à Presidência da República para o Judiciário, o Ministério Público, as polícias, a advocacia pública, a legislação penal e o sistema penitenciário.
Acusado pelo Ministério Público de São Paulo de ter praticado ato de improbidade administrativa que lhe gerou enriquecimento ilícito, o candidato do PSDB a presidente, Geraldo Alckmin, propõe a tipificação dessa conduta e a inversão do ônus da prova em processos que a apuram. Ou seja: se o agente público não comprovar a origem de seu patrimônio, ele o perderá.
Questionado em entrevista no Jornal da Globo, da TV Globo, se o PSDB não deveria ter feito uma autocrítica pelo envolvimento de integrantes do partido em casos de corrupção, Alckmin disse que mudará a forma como são investigados casos de enriquecimento ilícito.
“Eu vou defender uma outra coisa: inversão do ônus da prova. Modelo americano. Quem enriquecer, quem tiver um patrimônio que não possa comprovar a origem, tem perdimento. Pode ser senador, deputado, governador, presidente, agente público. Eu vou inverter. Eu vou fortalecer os órgãos de fiscalização: Ministério Público, Polícia Federal. Eu vou colocar no Código Penal a tipificação do crime de improbidade e vou inverter o ônus da prova. Você, agente público, pode ser eleito ou não eleito, não comprovou a origem do seu patrimônio confiscado, perdimento do patrimônio. Nós vamos ser absolutamente duros”, declarou o ex-governador de São Paulo.
A proposta de Alckmin é conflitante com o sistema penal brasileiro. De acordo com a Constituição Federal e com o Código de Processo Penal, todos são considerados inocentes até o trânsito em julgado de condenação. Mas o ônus da prova cabe a quem alegar a ocorrência de delito – o Ministério Público, nas ações penais públicas, e o ofendido, nas privadas. Se não houver comprovação de que ocorreu crime, o juiz deverá absolver o réu.
Alckmin disse à ConJur que sua proposta de defender o aprimoramento da legislação de combate à corrupção, o que inclui a criminalização do enriquecimento ilícito, irá aumentar ainda mais o prestígio do MP.
“Para o MP, o governo federal pode atuar em regime de colaboração e parceria, por exemplo, a partir da agência de inteligência criminal que pretende ver criada, com a integração de bancos de dados, com a cooperação de órgãos de controle, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, a Controladoria-Geral da União e a Receita Federal”, exemplificou. O tucano também pretende fortalecer a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) e incentivar a criação de fóruns estaduais de combate a esses dois delitos.
Embora ressalte que “não há real democracia no Brasil sem um MP com autonomia plena e respeitado nas suas decisões”, o presidenciável aponta que o órgão não pode atuar de forma política. “Assim como o Judiciário, a atuação do MP nunca é excessiva, mas jamais pode ser orientada por predileções políticas de seus membros. O MP de hoje é fruto direto do que a Constituição de 1988 pretendeu e, pessoalmente, sou um defensor do seu trabalho”.
Quando o MP-SP moveu ação de improbidade administrativa contra ele pelo suposto recebimento de R$ 7,8 milhões da Odebrecht em doações não declaradas à Justiça Eleitoral para a campanha ao governo estadual em 2014, Alckmin acusou o promotor Ricardo Manuel Castro de querer fazer “barulho” “a um mês das eleições”. “Ações isoladas como a de hoje [5/9] ferem a tradição do Ministério Público e prejudicam o devido esclarecimento do caso”, disse o tucano na ocasião.
Em seu programa de governo, o candidato afirma que apoiará a aprovação de um novo Código Penal, “com tipificação de novos delitos e maior consistência na relação delitos-penas”, e de uma alteração ao CPP, “que moderniza a lógica do sistema acusatório e do sistema de investigação”. Porém, o ex-governador destacou à ConJur que a criação de crimes, por si só, não gera uma diminuição da ocorrência dos atos.
“O Brasil legisla muito sobre Direito Penal e nem sempre legisla bem. Há inúmeros pontos criticados pela comunidade jurídica e isso sugere a necessidade de mudanças. Qualquer alteração, no entanto, precisa levar em conta o resultado prático, se a alteração aumenta ou reduz a sensação de segurança das pessoas, a convivência pacífica e a construção de uma sociedade justa e solidária. Nenhuma hiperregulação é boa. O excesso de normas penais atrapalha a compreensão da sociedade e, muitas vezes, inclusive, serve para aumentar a impunidade”.
Entre as alterações na área criminal propostas por Alckmin estão uma “uma ampla revisão da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) para tornar mais difícil a progressão de penas para os infratores que cometeram crimes violentos e que tenham envolvimento com o crime organizado” e o endurecimento do tratamento dado a adolescentes reincidentes em “atos violentos e cruéis”. O tucano ainda sugere valorizar os juizados especiais criminais.
Corte constitucional
O Supremo Tribunal Federal deve ser, primordialmente, uma corte constitucional, afirmou Geraldo Alckmin à ConJur. Segundo ele, o STF deve ter menos competências originárias. Entre essas atribuições do tribunal está, por exemplo, a de processar e julgar crimes de autoridades com foro por prerrogativa de função, como presidente e vice, ministros do governo, deputados e senadores (no caso destes, só se o delito tiver sido cometido no exercício do cargo, como decidido em maio pelo Supremo).
“A competência do Supremo deveria ser, primordialmente, a de corte constitucional, guardiã da Constituição, tratando das questões constitucionais e deixando a chamada competência originária para o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo. O Supremo, com seus 11 ministros, não tem a vocação para a ser a primeira instância, acompanhar investigação e conduzir originariamente ações, sendo ainda mais relevante o seu papel de corte constitucional”.
Nos últimos anos, o STF vem sendo instado a resolver diversos impasses políticos. Contudo, o ex-governador de São Paulo pondera que nem a política, nem a Justiça ganham com a judicialização. Este processo é natural, cita o tucano, uma vez que a democratização do Brasil e a garantia de direitos coletivos pela Constituição ocorreu há apenas 30 anos. Mas desde que magistrados não ajam de forma política. “Não há problema na judicialização, há problema na politização do Judiciário. Isso não pode ocorrer e exige que os mecanismos internos de controle atuem”.
Declarando que os brasileiros podem se “orgulhar do Judiciário”, o candidato do PSDB diz que a lentidão dos processos não é culpa de magistrados e servidores, que têm uma carga de trabalho excessiva. Para mudar esse cenário, Alckmin busca investir em formas alternativas de resolução de conflitos, como mediação, conciliação e justiça restaurativa, na informatização e na integração de sistemas entre órgãos.
Melhor formação
Estas últimas medidas Alckmin também pretende implementar nas polícias, de forma a criar uma maior ligação entre as corporações. Visando à uma atuação mais local das forças de segurança, ele quer fortalecer as guardas municipais.
Outra ideia é criar uma Guarda Nacional, com 5 mil agentes. A entidade, conforme seu programa de governo, seria uma espécie de “polícia militar federal” e agiria no patrulhamento preventivo de áreas rurais e no controle dos conflitos agrários, por exemplo. O objetivo é reduzir o envolvimento das Forças Armadas em questões internas de segurança – como no Rio de Janeiro, onde os militares vêm atuando desde agosto.
As polícias Civil e Militar são controladas pelos estados, mas Alckmin sugere que o governo federal estabeleça um currículo mínimo para a formação dos agentes de segurança, padrões operacionais e critérios de promoção por mérito.
No combate à criminalidade, o ex-governador de São Paulo visa priorizar os 150 municípios mais violentos, rastrear as origens da cocaína e da maconha apreendidas no país, promover ações para que armas ilegais sejam retiradas de circulação e ampliar a rede de atendimento a vítimas de violência doméstica.
Prisões privadas
Para construir novo presídios, Alckmin, se eleito, incentivará parcerias público-privadas. O mesmo modelo de concessão seria usado para gerir as unidades.
Além disso, o tucano propõe aumentar o número de prisões federais, especialmente para abrigar lideranças do crime organizado, ampliar as unidades para trabalho dos detentos nos estados a buscar a aprovação de lei sobre as audiências de custódia.
A Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União precisam definir modos de atuação consultiva para as administrações estaduais e municipais, apontou o presidenciável à ConJur.
“Há uma complexidade na interpretação de normas e uma grande dificuldade para os gestores, prefeitos, por exemplo. Creio que as Procuradorias, a partir de entendimentos firmados, podem atuar em regime de mútua colaboração. Essa atuação próxima, integrando na atividade-fim a advocacia pública, significará uma valorização ainda maior da advocacia nessa especialidade”.
O ex-governador ainda defende, em seu programa de governo, fortalecer as estruturas de assistência judiciária gratuita e a Defensoria Pública em todo o território nacional, para ampliar o acesso à Justiça.
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
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