terça-feira, 4 de setembro de 2018

Crime e castigo. A dor de envelhecer atrás das grades



A maioria dos detentos idosos (164) tem idade entre 60 e 70 anos. Outros 35 têm de 70 a 80 anos. Acima de 80, são sete. Foto: Gláucio Dettmar/CNJ

Os mais de 200 idosos presos no DF cometeram crimes como roubo, estupro e tráfico. Devido a problemas de saúde, muitos tentam o indulto humanitário.

Nos seis presídios do Distrito Federal vivem 206 idosos condenados ou à espera de julgamento. A maioria – 164 – tem idade entre 60 e 70 anos. Outros 35 têm de 70 a 80 anos. Acima de 80, são sete. Para estarem presos, eles cometeram crimes contra o patrimônio, contra a dignidade sexual e a vida, além de tráfico e porte de drogas.

Em decorrência de complicações do envelhecimento, nem todos permanecem encarcerados. A liberdade é concedida por meio do indulto humanitário, que se refere não só aos idosos, mas a pessoas com precárias condições de saúde, ou ainda para cuidar de filho menor ou com necessidade especial que dependa exclusivamente do sentenciado.

Segundo dados do Tribunal de Justiça do DF e Territórios, nos últimos cinco anos foram proferidas 1.662 sentenças concedendo indulto. A estatística não especifica o motivo da concessão.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) acompanha o funcionamento dos presídios em inspeções periódicas e cobra do Poder Público ações efetivas de garantia de direitos humanos. Para as famílias com um parente em idade avançada atrás das grades, o apoio emocional vem de organizações sem fins lucrativos como a Pastoral Carcerária (Apef-DF). A entidade critica a falta de assistência à saúde dos apenados.

Na teoria, a idade avançada garantiria acomodações e tratamento diferenciados, como explica a presidente da Comissão de Defesa da Mulher Encarcerada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Lívia Magalhães. A entidade inspeciona as unidades prisionais para verificar se os direitos humanos dos internos são garantidos, produz relatórios e os envia aos órgãos competentes.

“Tanto nas unidades prisionais masculinas quanto na feminina, os idosos ficam segregados da massa carcerária”, explica Magalhães. No Centro de Detenção Provisória (CDP), eles são alojados na Ala de Vulneráveis, ao lado de políticos e outros presos sob algum tipo de ameaça. Nos outros presídios, ficam no chamado “Seguro”, ala de internos que não podem conviver com outros presos para não serem violentados ou mortos. Os condenados por crimes sexuais e aqueles com dívida de drogas dentro da cadeia ficam nesses locais. Transgêneros e homossexuais que solicitam a estadia também têm direito.

Mulheres

No caso da Penitenciária Feminina (Colmeia), as únicas duas idosas que cumprem pena do DF ficam na ala das gestantes. A vantagem é poder caminhar pelo espaço. A ala tem uma grade única e extensa que isola dois corredores — com seis quartos cada. “Uma detenta fica em cada quarto, principalmente quando há poucas gestantes. Também há uma área de convivência, com um banco de concreto de uso coletivo”, descreve Magalhães.

Longe do ideal na assistência à saúde
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, quando há necessidade de tratamento específico para idosos, por causa de condições físicas ou psicológicas, isso deve ser prescrito por uma equipe médica, com a ciência do Poder Judiciário. De fato, as inspeções da OAB-DF no local confirmam que há tratamento diferenciado quando o idoso tem alguma doença.

“O Núcleo de Saúde é abastecido por profissionais da Secretaria de Saúde. Em tese, há médicos à disposição, mas sabemos que não é bem assim. Em caso de emergência, uma ambulância leva o preso para o hospital, na teoria”, relata Lívia Magalhães, da OAB. Mas a realidade está distante da ideal. “Também na teoria, se a pessoa for diabética, hipertensa, a medicação deve ser fornecida. Mas nem sempre tem. A família leva, apesar de a direção fazer de tudo para viabilizar exames e remédios”, pondera.

Quando o detento chega à cadeia, ele informa se tem alguma doença. “A alimentação é diferenciada para diabéticos e hipertensos, com menos sal e mais verduras. Assim como as gestantes, as idosas têm direito a uma fruta e uma porção de sopa a mais na dieta na Colmeia”, conta.

Outra benesse é poder escolher um trabalho adequado à condição de idoso. “Como oficinas de costura industrial e de pet shop, na confecção de gravatas para cães, em vez de serviço pesado”, cita. A cada três dias de trabalho, é descontado um da pena estipulada.

Para a Pastoral Carcerária (Apef), a falta de assistência à saúde é o principal problema enfrentado pelos idosos nos presídios. “Facilmente se identificam nas unidades prisionais idosos com problemas diabéticos, pressão e câncer. Mas, tratamento para essas e outras enfermidades praticamente inexiste. Tentar tratamentos fora das unidades é outra labuta. Quando os familiares conseguem consultas médicas particulares muitas vezes esbarram na burocracia do sistema prisional e do Judiciário para levar o idoso, sempre com as mesmas desculpas: não temos efetivo para fazer a escolta”, informou, em nota.

As inspeções da OAB-DF avaliam as penitenciárias de maneira positiva, apesar de não fechar os olhos para os problemas. “A superlotação não tem sido empecilho para acomodar os internos de maneira digna”, diz Lívia Magalhães, mas reconhece: “Muitos reclamam do tempo do banho de sol, que deve ser de três horas pelo Código Penitenciário do DF e de duas horas pela Lei de Execução Penal, mas não é cumprido, segundo relatos”. “Além da falta de água quente, há problemas de vazamento de água e janelas sem vidro, que favorecem a entrada de pombos”, cita, ao se referir às celas da Colmeia.

“Ambiente degradante”

Para o professor de Direito e especialista em segurança pública do Centro Universitário de Brasília (Uniceub) Julio Hoff, a acomodação dos idosos acontece no improviso, porque a legislação brasileira não trata desse público. “Não prevê nenhum benefício, o que contraria o princípio da dignidade da pessoa humana e o Estatuto do Idoso”, critica. “É um ambiente cruel, degradante e desumano. Essas pessoas têm sintomas psíquicos e físicos específicos, mas não existe solução legal para isso. É criticável”.

Ele explica que o idoso condenado em segunda instância não tem benefícios no regime fechado. Presos famosos, como os condenados na Lava Jato, têm direito a monitoramento eletrônico na prisão domiciliar em razão da profissão e da notoriedade. Quando a prisão é preventiva, é possível que a pessoa seja vigiada em casa, caso tenha mais de 80 anos. No caso de regime aberto, a conversão só pode ocorrer se a pessoa tiver mais de 70.

A sugestão do especialista em segurança pública é criar novos dispositivos legais. “Uma prisão separada. Já que o Estatuto do Idoso dá tratamento diferenciado, por que não na penitenciária?”, questiona. “Ou fazer como em casos pontuais, quando é concedida prisão domiciliar em função do cargo. Pode haver monitoramento eletrônico em casa, quando houver possibilidade de retorno para a família”, argumenta.
A superlotação é um dos maiores problemas do complexo da Papuda. Relatório de gestão de 2017 do Conselho Nacional de Justiça registrou visita ao local pela presidente do CNJ, ministra Carmen Lúcia, ocorrida em 2016.

Na Penitenciária do Distrito Federal II (PDF II), a ministra visitou uma ala onde havia uma cela com 18 homens ocupando oito vagas. Para dormir, os detentos afirmaram que precisavam forrar a superfície da cela apinhada com colchões, pois não havia camas suficientes.

Ainda segundo o relatório, não era possível enxergar o piso do alojamento com tantos presos sentados no chão e sobre as camas. Na PDF II, 3,2 mil condenados cumpriam pena, quando havia apenas 1,4 mil vagas.

Idosos encarcerados

Estupro de vulnerável: No DF, em fevereiro deste ano, um servidor público de 60 anos foi preso por estuprar quatro crianças, incluindo a neta dela, de dez anos. Os crimes foram cometidos no Tocantins, e depois disso o idoso se escondeu em Taguatinga, na casa da mãe dele.

Pedofilia: Em maio deste ano, um idoso de 69 anos foi preso na Asa Norte, por meio de uma megaoperação nacional de combate à pedofilia.

Paulo Maluf: O ex-deputado de 86 anos chegou a cumprir pena na Penitenciária da Papuda, em março deste ano. No entanto, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou que o político cumprisse a pena em casa, devido a problemas de saúde. Maluf responde por ter recebido propina em contratos públicos com empreiteiras quando era prefeito de São Paulo, nos anos 1990.

Roger Abdelmassih: Caso que não ocorreu no DF, mas ganhou grande repercussão em todo o País, é o do médico condenado por estuprar 56 pacientes mulheres. Ele fugiu para o Paraguai após a condenação, e foi preso três anos depois. A Justiça de São Paulo fixou pena de 181 anos, 11 meses e 12 dias de reclusão. Ele chegou a ficar preso na penitenciária de Tremembé (SP), mas atualmente está em prisão domiciliar.

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