De terreno dos cartéis na era de Escobar e do Cartel de Cáli à zona de paz, o exemplo colombiano é citado em séries como Narcos, da Netflix.
Nos anos 1990, a Colômbia chegou ao fundo do poço. Não só pela guerra civil entre o governo e os grupos guerrilheiros Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e Exército de Libertação Nacional (ELN), mas sobretudo pela influência dos cartéis de drogas, tema da série Narcos, da Netflix. Escolhida pelos Estados Unidos como ancoradouro de sua política antidrogas na América Latina, o país recebeu milhões de dólares. O aporte inviabiliza qualquer comparação com o Brasil ou outro país latino-americano, que não ganharam essa ajuda.
Mas há temas de casa no combate à criminalidade executados tanto por Colômbia quanto Chile. Os dois países fizeram a reforma do Código de Processo Penal, pela qual o Ministério Público (Fiscalía, em espanhol) ganhou maior protagonismo na coordenação de investigações criminais. A mudança simplificou ritos, diminuiu o número de recursos judiciais e resultou em julgamentos rápidos para crimes leves.
— Foi um processo muito parecido com os juizados especiais criminais no Brasil, mas para muitos outros delitos. Evita a repetição da coleta de provas e de oitivas, que, aqui, são feitas pela polícia e, meses depois, pelo Judiciário — explica o professor da PUCRS Rodrigo de Azevedo.
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Em Medellín, a taxa de homicídios chegou a 380 por 100 mil habitantes e lhe rendeu o título de cidade mais violenta do mundo. Por trás da estatística, havia realidade selvagem: população com medo de sair às ruas, bairros sitiados por facções, práticas de extorsões e sequestros. De lá para cá, a incidência de homicídios caiu drasticamente — 21 em 2016, a menor em 40 anos.
As políticas satisfatórias de segurança não se restringiram a Medellín. Bogotá, capital, efetuou inovações na área. Em Cáli, berço de outro dos mais sangrentos cartéis colombianos, a Polícia Nacional passou por modernização, houve maior protagonismo da Fiscalía e simplificação do processo judicial. Os prefeitos passaram a ter papel maior, com polícias subordinadas a eles.
No Chile, em 2000, começou a reforma do Código de Processo Penal. Foram cinco anos de implantação, iniciada nas cidades menores e, aos poucos, espalhando-se para as maiores.
A arquitetura dos fóruns foi adaptada, e o sistema de transporte coletivo mudou para atender à cidade judiciária. As polícias passaram a trabalhar sob orientação da Fiscalía. Na fase pré-processual, promotores comandam o inquérito — no Brasil, a investigação está nas mãos da polícia.
O modelo do promotor-acusador foi adotado pela Alemanha em 1974, e por Portugal e Itália em 1988. Uma vez na Justiça, o processo é totalmente oral, o que dá mais agilidade, na opinião de jurista Aury Lopes Jr, doutor em Direito Processual Penal e professor da PUCRS.
Após um fim de semana de violência em Santiago, por exemplo, o promotor chega a seu gabinete, liga o computador e tem acesso a mapas com as ocorrências em tempo real. Depois de iniciada a fase judicial, o processo conta com três juízes em 1º grau — o que dá um olhar mais amplo e reduz julgamentos equivocados.
No Brasil, é apenas um magistrado nessa fase.
— Em uma audiência, eles ouvem todas as testemunhas, fazem debate oral e dão a sentença. Uma apelação leva cerca de 80 dias. Vi processo nascer e terminar em apenas um dia. Tem muita oralidade, amplo espaço de negociação no processo penal — conta Lopes Jr.
No Chile, a solução de todos os crimes em 2016 foi de 98%. No Brasil, não existe essa estatística, apenas estimativas sobre homicídios, cujo índice de resolubilidade beira os 10%. Pesquisadores alertam que polícia e processo penal mais eficientes acarretam sobrecarga do sistema prisional — no Brasil, já em colapso. Aqui, a reforma do processo penal tramita no Congresso e só deve ser votada no ano que vem.
arquivo pessoal / Arquivo Pessoal
Fernando Coelho
Brasileiro que vive na Colômbia
"Sinto-me mais seguro do que em São Paulo"
Paulista de 28 anos, mora há quatro anos em Medellín. Trabalha na empresa Crest.
Vivo no norte da cidade. É um pouco mais populoso. Sinto-me mais seguro em Medellín do que em São Paulo. Esta é uma cidade que há 25 anos era a mais perigosa do mundo. Nota-se essa diferença também no turismo, com muito investimento em segurança para receber visitantes. Isso traz visibilidade, então tem de ter segurança. Ainda é comum você ver nos bairros "vacuna", que é cobrança. Grupos que mandam no bairro passam a cada 15 dias pelas casas e estabelecimentos e pedem uma propina. Você dá R$ 1, R$ 2, como se fosse para garantir a segurança do bairro. Ainda se vê muita gente com camisa de Pablo Escobar. Aqui, adotam medidas de inteligência contra o tráfico. Recentemente, destruíram um ponto bem conhecido no centro de Medellín. A administração é boa. O metrô é relativamente novo, foi trazendo a mudança, melhoria, para região. Também mudaram algumas leis de convivência entre a população. Coisas que eram permitidas, como porte mínimo de drogas leves, ouvir som até de madrugada, não havia problema. Agora, se você passar do horário, multam. Estão endurecendo as regras. Agora, não pode consumir e não pode portar drogas leves.
QUE PAÍS É ESTE
Reprodução GaúchaZH
A Colômbia
Capital - Bogotá
Área - 1,1 milhão km²
População - 49,9 milhões de habitantes
PIB - US$ 309 bilhões (2017)
Taxa de homicídios em Medellín (a cada 100 mil habitantes)
1991 - 380
1998 - 155
2002 - 183
2005 - 35
2009 - 94
2016 - 21
Fonte: Medellín, Cómo Vamos
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