O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, afirmou nesta sexta-feira (23/2) que o poder do tráfico sobre comunidades carentes representa “uma das maiores violações de direitos humanos no Brasil”.
Em evento na Defensoria Pública do Rio de Janeiro, ele voltou a defender a descriminalização das drogas para tentar mudar essa realidade, já que a atual política repressiva não chega a resultados práticos. “A única coisa que a criminalização faz é assegurar o monopólio do traficante. Portanto, o Estado é parceiro do traficante ao criminalizar as drogas.”
“Não me é indiferente um jovem da zona sul que morra de overdose de cocaína. Qualquer morte deve ser lamentada. Mas o maior problema é o poder do tráfico sobre comunidades carentes, o que eu considero uma das maiores violações de direitos humanos no Brasil”, diagnosticou o ministro em evento na Defensoria Pública fluminense.
“Isso impede uma família honesta de criar seus filhos em uma cultura de honestidade. Essa juventude perde o futuro, a perspectiva de uma vida digna e honesta. A política de drogas no Brasil tem que ter por principal objetivo retomar esses espaços, quebrar o poder do tráfico. E a luta armada contra o tráfico não tem sido vitoriosa”, disse Barroso.
A declaração vem em meio à inédita intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro. Integrantes da gestão Michel Temer (MDB) e das Forças Armadas já declararam que o objetivo principal será combater o tráfico de drogas. E isso será feito com grandes operações em comunidades carentes – não à toa, o governo pretende requisitar a expedição de mandados coletivos de busca e apreensão.
O ministro do Supremo entende que a descriminalização deveria começar com a maconha. Se a medida funcionar, poderia ser estendida à cocaína, opinou. Citando o economista norte-americano Milton Friedman, Barroso destacou que, com a proibição das drogas, o Poder Público é sócio dos traficantes.
Para o magistrado, uma política de drogas eficaz deveria se destinar, principalmente, a proteger os usuários e evitar o encarceramento de pessoas que não são perigosas. Na visão do ministro, o Brasil deveria se inspirar nos modelos de países da Europa e, em parte da América do Norte, que buscam resguardar a saúde dos consumidores de entorpecentes. Assim, seria possível tratá-los melhor e quebrar o poder do tráfico.
Com relação ao aprisionamento de pessoas que não oferecem risco à sociedade, Barroso mencionou que 77,36% dos condenados por tráfico no Rio não tinham antecedentes criminais, conforme a pesquisa Tráfico e sentenças judiciais – uma análise das justificativas na aplicação de Lei de Drogas no Rio de Janeiro, produzida pela Defensoria fluminense e pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), vinculada ao Ministério da Justiça.
“Você encarcera esse menino que é primário, com bons antecedentes, que não era perigoso. Ele vai cumprir uma parte da pena preso. No dia que entrar no sistema penitenciário, já tem que escolher a qual organização criminosa vai aderir. Isso se já não escolherem por ele antes devido ao lugar onde ele mora. Nesse dia, o jovem que não era perigoso começa a ficar perigoso. Porque ele começa a dever à organização criminosa. Do lado de fora, sua família passa a ser ameaçada. Quando ele sair, um ano e meio depois, depois, estará muito pior do que quando entrou”, avaliou.
O pior é que cada vaga no sistema penitenciário custa R$ 40 mil para ser aberta e R$ 2 mil mensais aos cofres públicos, disse o ministro. E a prisão não enfraquece o tráfico, ressaltou, pois no dia seguinte o acusado é substituído.
“Vejam a insanidade: a prisão destrói a vida do rapaz, custa dinheiro pra sociedade, ele sai pior do que entrou e não afeta o tráfico. No mínimo, as autoridades de segurança pública e a sociedade brasileira têm que colocar na mesa que essa política fracassou e discutir soluções”.
Embora tenha reconhecido que, em geral, não concede muitos pedidos de Habeas Corpus, o membro do Supremo garantiu que assina HCs com frequência em casos de tráfico de drogas.
De acordo com ele, há muitos erros em processos desse tipo. Por isso, ele defendeu o fim das prisões preventivas quando a quantidade de entorpecente for pequena e se presumir que o acusado não integra organização criminosa. “Isso já aliviaria de maneira relevante o sistema penitenciário”, afirmou.
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2018.
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