Levantamento do G1 mostra que 34,4% dos presos no Brasil são provisórios; em 2017, eram 37,6%. Déficit de vagas no sistema penitenciário chega a 279 mil.
O número e a proporção de presos provisórios diminuíram em um ano no país, mas as prisões continuam superlotadas e estão quase 70% acima da capacidade. É o que mostra um levantamento do G1 dentro do Monitor da Violência feito com base nos dados mais atualizados dos 26 estados e do Distrito Federal.
O Monitor da Violência é resultado de uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em janeiro de 2017, 247,8 mil encarcerados (ou 37,6% dos presos) eram provisórios. Agora, são 236,1 mil (34,4%).
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Apesar da diminuição dos presos provisórios, as prisões do Brasil seguem superlotadas. São 686,5 mil presos para uma capacidade total de 407 mil pessoas, um déficit de 279 mil vagas.
Desde a última reportagem do G1, publicada em janeiro de 2017, foram acrescidas ao sistema 7.952 vagas, número insuficiente para acomodar o total de presos, que ainda cresceu 2,8% em um ano, com 18.412 novos internos.
Comparando o levantamento de 2017 com o de janeiro agora:
- O Brasil prendeu mais gente que as vagas criadas nas prisões
- A superlotação oscilou pouco: de 69,2% para 68,6%
- Pernambuco ultrapassou Amazonas e voltou a ser o estado mais superlotado do país
- O percentual de presos provisórios caiu de 37,6% para 34,4%
Desde 2014, o G1 faz levantamentos sobre a situação do sistema penitenciário brasileiro. Não são considerados os dados oficiais do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) por conta da defasagem de um ano e meio. Os últimos números do relatório foram divulgados em dezembro de 2017, mas se referem apenas a junho de 2016.
O levantamento do G1 não leva em consideração os presos em regime aberto que cumprem prisão domiciliar e os que cumprem apenas penas alternativas, já que eles não demandam vagas no sistema. Além disso, os dados são obtidos com todas as secretarias de Administração Penitenciária ou de Justiça, que, em muitas das vezes, excluem do dado os presos em delegacias – o que impede uma comparação direta com números do Infopen, que contabiliza estes presos.
Superlotação
Há superlotação em todos os estados do país. A pior situação é encontrada em Pernambuco, que está 181% acima da capacidade. São 30,4 mil presos para apenas 10,8 mil vagas. Em um ano, houve um aumento de 417 presos, e o estado ainda fechou 126 vagas.
De acordo com a Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) de Pernambuco, a redução no número de vagas ocorreu por conta, entre outros pontos, da desativação temporária de duas cadeias públicas no Agreste do estado para "adequações estruturais". A pasta diz, no entanto, que a construção do Presídio de Araçoiaba, no Grande Recife, deve criar 2.754 vagas no estado. O fim das obras está previsto para este ano. Há também um edital para ampliar o Presídio de Palmares, onde serão construídos três pavilhões, com mais 532 vagas.
Outros estados também diminuíram o número de vagas entre 2017 e 2018. Em Rondônia, o total de vagas caiu de 6.257 para 5.868 por conta da desativação e unificação de unidades prisionais. O mesmo aconteceu em Roraima, com o fechamento de uma ala prisional da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo para reformas, e no Tocantins, com a desativação de uma unidade de regime semiaberto.
Na Paraíba, o fechamento de vagas ocorre por conta de reformas. A Secretaria de Administração Penitenciária diz que um novo pavilhão deve criar 160 vagas e que um presídio regional será construído, com 600 vagas, na zona rural de Gurinhém, município a 100 km de João Pessoa.
Segundo agentes penitenciários entrevistados pelo G1, a superlotação está diretamente ligada a episódios de violência e rebeliões nos presídios, bem como à formação e ao fortalecimento das facções.
"A gente, muitas vezes, acha que você prender o criminoso e jogar numa cela soluciona o problema. Ao contrário, ali está nascendo uma nova roupagem do crime. Ele vai apenas se especializar", diz Juscélio Álvares, agente penitenciário há 8 anos no Rio Grande do Norte.
"Às vezes, a Polícia Militar faz um excelente trabalho ostensivo. A Polícia Civil faz um excelente trabalho investigativo. Mas tem o seu trabalho frustrado por uma fuga do preso, por exemplo. Ou quando se coloca lá um preso onde se colocam também 10, 20, 30 presos. E eles vão se unir e se organizar em uma facção. Isso tudo explode e volta para a sociedade”, diz.
De acordo com o agente penitenciário Mickael Fabrício, que trabalha na função há 11 anos em Alagoas, as facções se tornaram relevantes nos últimos anos por falta de investimentos em educação, saúde e segurança. Além disso, ele destaca que, como não é feita a ressocialização dos detentos, o índice de retorno às prisões é alto.
Com o consequente fortalecimento das facções, o trabalho dos agentes dentro dos presídios se tornou mais difícil, segundo ele.
"Os presos tentam, ainda que cumprindo pena, impor as leis das facções dentro dos presídios, intimidar servidores, se comunicar com o mundo exterior e coordenar crimes", diz Mickael Fabrício, agente penitenciário.
Segundo um agente que atua há 27 anos em Goiás e que não quis se identificar, a falta de investimento também se reflete nas estruturas fracas das prisões, que tornam as fugas comuns. "Eles [presos] abrem buracos com facilidade. A gente fica 24 horas por dia tentando vigiar o presídio e os presos tentando ludibriar nossas seguranças”, afirma.
Os agentes ainda relatam que, muitas vezes, têm que supervisionar um número muito alto de detentos.
"Você é responsável por um bloco sozinho. Eu estava em um bloco com aproximadamente 300, 310 presos. Por mais que eles estejam presos, eles são minha responsabilidade", diz um agente que atua no Paraná.
Menos presos
Na contramão de outros estados, o Amazonas não apenas aumentou o número de vagas, mas também reduziu o total de presos. Em um ano, foram acrescidas 598 vagas ao sistema penitenciário do estado. Já a população carcerária caiu de 10.323 para 8.970. Como consequência, a superlotação caiu de 229,9% acima da capacidade para 140,7%.
O índice continua alto, pois trata-se do segundo estado mais superlotado do país, mas os dados mostram que medidas foram tomadas para melhorar a situação carcerária no estado um ano após o maior massacre nas prisões do Amazonas. Em janeiro do ano passado, 67 detentos morreram em três cadeias de Manaus – Compaj, Unidade Prisional do Puraquequara (UPP) e Vidal Pessoa.
Rio Grande do Norte e Sergipe também tiveram quedas em seus índices de superlotação causadas pelo aumento de vagas e diminuição de presos. Em 2017, o Rio Grande do Norte estava 106,1% acima da capacidade; em 2018, está 48,1% acima. Já Sergipe passou de 109% para 60%.
No Rio Grande do Norte, os números também mostram que foi preciso um episódio traumático para que a situação fosse discutida. No ano passado, uma rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz deixou ao menos 26 mortos.
Em Sergipe, a Secretaria de Estado da Justiça diz que o estado passou a estimular o uso de tornozeleiras eletrônicas e a realização de audiências com os internos nos fóruns. A secretaria afirma ainda que tem agido para os internos terem a vida processual decidida (se são condenados ou absolvidos) com mais rapidez.
Para Bruno Paes Manso, do NEV-USP, as prisões se consolidaram entre os governantes como o principal remédio para tentar controlar o crime no Brasil, mas o movimento que parecia irreversível, como se não houvesse alternativas, dá sinais de mudança. "As grandes rebeliões a partir de janeiro de 2017 parecem ter revelado para essas autoridades que as doses excessivas dessa solução podiam produzir efeitos colaterais indesejados e de grande dimensão."
São Paulo, que é o estado com a maior população carcerária do país, também conseguiu reduzir o número de presos. São 225.874 detentos para 141.871 vagas. O número de vagas caiu em um ano (eram 148.828), mas o de presos também diminuiu (eram 233 mil).
A SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) diz que tem participado ativamente na realização de audiências de custódia, "o que tem colaborado de forma decisiva para reduzir o número de inclusões de pessoas presas em flagrante no sistema penitenciário". "O estado de São Paulo é pioneiro em audiência de custódia: em 24 horas o preso em flagrante é apresentado ao juiz, promotor público e a um defensor, podendo responder ao processo em liberdade dependendo da análise do juiz", diz, na nota.
Além das audiências de custódia, a SAP diz que mantém parcerias com a Defensoria Pública e a Corregedoria Geral de Justiça para prestação de assistência judiciária aos sentenciados e a realização de mutirões para análise dos pedidos de progressão de regime.
Presos provisórios
Este não é o primeiro ano em que o percetual de presos provisórios apresenta queda no país. Segundo o levantamento feito pelo G1 em 2015, o índice era de 38,6%, chegando a 37,1% em 2017 e caindo para 34,4% em janeiro deste ano.
Piauí é o estado com mais presos provisórios do país (60,4%), mais uma vez. Apesar de ter diminuído em quase 5 pontos percentuais o índice em um ano, o estado ainda ocupa a primeira posição no Brasil. Segundo o Tribunal de Justiça do Piauí, "o percentual é alto e decorre do elevado número de prisões em flagrante, diariamente, uma vez que, nas audiências de custódia, cerca de 46% dos presos são liberados, com ou sem medidas alternativas à prisão".
O TJ-PI afirma ainda que tem adotado medidas para a diminuição do número de presos provisórios, como a realização de mutirões de julgamento de processos e o acompanhamento dos processos com réus presos. De acordo com o órgão, o número de julgamentos no estado tem aumentado.
Participaram desta etapa do projeto:
Coordenação: Athos Sampaio e Thiago Reis
Dados e reportagem: Clara Velasco e Gabriela Caesar
Pré-produção: Megui Donadoni
Produção: Cau Rodrigues e Derek Gustavo (G1 AL), Adneison Severiano (G1 AM), John Pacheco (G1 AP), André Teixeira e Cínthia Freitas (G1 CE), Manoela Albuquerque (G1 ES) Juliana Peixoto, Marina Pereira e Valdivan Veloso (G1 Grande MG), Paula Resende (G1 GO), Henrique Soares, Marina Meireles e Pedro Alves (G1 PE), Erick Gimenes (G1 PR), Anderson Barbosa (G1 RN)
Imagens: Acervo/TV Globo, Adneison Severiano, Cleber Dantas, Denise Jorge Jacinto Branco, John Pacheco, Jorge Melo, Manoela Albuquerque, Marcos Roberto, Mateus Bandeira, Paula Resende, Ricardo Muiños
Roteiro (vídeos): Beatriz Souza
Edição (vídeos): Eduardo Palácio
Edição (infografia): Rodrigo Cunha
Design: Alexandre Mauro, Karina Almeida e Igor Estrella
Desenvolvimento: Antonio Lima e Rogério Banquieri
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