No Brasil ocorrem mais assassinatos por ano do que nos Estados Unidos, Europa, China, Austrália, Canadá, norte da África e países do extremo oriente somados. Este dado foi destacado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), na audiência pública realizada nesta segunda-feira (26) que debateu a crise por que passa o modelo de segurança pública do país.
Paim lembrou que em 2016 foram assassinadas no Brasil 61.619 pessoas, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, enquanto nos países e continentes citados o número aproximou-se de 60.000.
Isto significa que a média de assassinados no país é de 28,9 a cada 100 mil habitantes, índice bem acima mesmo de nações pobres ou em desenvolvimento da África e da América Latina, lamentou Paim.
- Temos que ser realistas: infelizmente somos hoje uma das nações mais violentas do mundo. Nossos índices são piores mesmo que de outros países com sérios problemas, como o México (média de 20,7 assassinados por 100 mil habitantes), África do Sul (média de 18), Nigéria (média de 17,8), Venezuela (média de 17,7) ou Colômbia (média de 12,7) - alertou.
Críticas à intervenção no Rio
Para o representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na audiência, Everaldo Patriota, o "descalabro" vivido hoje no Brasil em termos de segurança pública é consequência histórica de um aparato jurídico-policial moldado para a defesa do patrimônio, e não da vida. Ele lembrou que a maior parte dos mais de 60 mil assassinados por ano no Brasil têm "cor e classe social muito bem conhecidos", compostos majoritariamente por negros, jovens ou em idade adulta, provenientes das classes D e E.
Patriota aproveitou o momento para criticar a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, que a seu ver agudiza a lógica herdada do modelo histórico escravagista que vigorou por séculos no país, "e ainda não superado". Esta lógica, para ele, se revela mais uma vez no fichamento dos moradores das favelas, uma prática que "institui definitivamente o estado de exceção no país".
O representante da OAB lembrou que em ocupações de favelas realizadas recentemente pelas Forças Armadas, antes da atual intervenção, houveram oito mortes, além de outras 11 pessoas que foram baleadas e não morreram. Casos que a seu ver "não vem sendo devidamente investigados".
- Nas áreas vulneráveis, de exclusão, pode-se fazer coisas deste tipo. Será que haverão tanques, paraquedistas e armas apontadas pra quem mora no Leblon, Ipanema e Copacabana? Enquanto o asfalto se refestela em drogas, o morro pega fogo. Que Estado, que República é essa que determina quem pode ou não morrer, ou ser tratado com dignidade? - protestou.
Patriota acrescentou que esta lógica repressora também está presente na atuação das Forças policiais, que em muitas incursões em favelas "torna o número de mortos uma questão de estatística". A intervenção no Rio também foi criticada pelo advogado Renan Bortoletto, da ONG Liberum Direitos Humanos, outro que a vê como "o aprofundamento do estado de exceção no Brasil".
O advogado Gabriel Sampaio lembrou que o próprio general Eduardo Villas-Bôas, comandante do Exército, classificou a ocupação da favela da Maré (que durou de abril de 2014 a junho de 2015) de "algo totalmente inócuo".
- Aqui mesmo neste Senado ele disse que uma semana após a saída das tropas militares, o crime organizado reocupou o morro. A atuação de jovens soldados apontando fuzis para crianças em favelas é fruto de uma sociedade profundamente doente, segundo o general - disse Sampaio.
Ele ainda acrescentou que a referida ocupação custou R$ 650 milhões aos cofres públicos em pouco mais de um ano, recursos que a seu ver seriam muito melhor utilizados se fossem canalizados para educação, saúde ou atividades culturais e esportivas dos moradores da Maré.
A possibilidade do uso de mandados de busca e apreensão coletivos nas favelas também foi criticada pelos participantes, como "aprofundadora da lógica estigmatizante" e por ser ilegal, segundo eles.
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