Em um artigo publicado no jornal The Washington Post, a juíza aposentada Evelyn Baker, de Missouri, pediu à Suprema Corte dos EUA para anular uma decisão que ela tomou há mais de 20 anos. Em 1997, ela condenou Bobby Bostic, então com 16 anos, a 241 anos de prisão por dois assaltos à mão armada, nos quais não houve vítimas. Agora, ela se declara arrependida. E espera que a Suprema Corte declare sua decisão inconstitucional.
Bostic e seu amigo Donald Hutson, de 18 anos à época, assaltaram um grupo de seis pessoas que estava distribuindo presentes de Natal a moradores pobres em St. Louis. Dispararam dois tiros, e um deles arranhou a pele de uma pessoa. Ninguém realmente se feriu. Logo em seguida assaltaram uma mulher e, com o dinheiro roubado, compraram maconha. A promotora propôs um acordo de 30 anos de prisão em troca da confissão do crime. Hutson aceitou, mas Bostic, não. Preferiu ir a julgamento.
A juíza escreveu que Bostic lhe enviou uma carta, explicando suas ações, “mas nunca demonstrou remorso suficiente”. Por isso, decidiu que cada uma das condenações seria aplicada consecutivamente, em oposição à simultaneamente. Assim, as condenações somaram 241 anos.
Ela relatou no artigo o que disse ao adolescente: “Você vai morrer no Departamento de Correições. Você é o maior tolo que já apareceu nesse tribunal. Você fez sua escolha. Você vai viver com sua escolha e vai morrer com sua escolha. A data obrigatória para você comparecer no conselho de liberdade condicional será em 2201. Ninguém nessa sala estará vivo em 2201”.
Agora, aposentada, a juíza escreveu que puniu o adolescente pelo que ele fez e por sua imaturidade. E lamenta não saber, à época, o que ela sabe agora.
“Lamento profundamente o que eu fiz. Desde então, os cientistas descobriram muitas coisas sobre o desenvolvimento do cérebro. O que eu aprendi, tarde demais, é que o cérebro de uma criança ou adolescente não é estático. Está em processo de amadurecimento. Adolescentes na idade de Bostic são incapazes de avaliar riscos e consequências como um adulto o faria. As pesquisas científicas demonstraram que as crianças e adolescentes não tem maturidade, nem um senso de responsabilidade como os adultos, porque eles ainda estão crescendo. Pelas mesmas razões, eles têm muito mais capacidade de recuperação.”
“Isso não é nada surpreendente”, escreveu a juíza. “Como uma sociedade, reconhecemos que as crianças e adolescentes não podem funcionar e não funcionam como adultos. É por isso que, antes de completar certa idade, eles não podem votar, entrar nas Forças Armadas, serem jurados, comprar cigarros ou bebidas alcoólicas.”
Segundo a juíza, os tribunais também já começaram a ajustar a lei ao reconhecimento da sociedade de que as crianças e adolescentes são diferentes e devem ser tratados como tal. No caso Graham versus Florida, em 2010, a Suprema Corte decidiu que, com base nas pesquisas sobre o cérebro, a Constituição proíbe sentenciar menores não acusados de homicídio à prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional. A Constituição proíbe punição “cruel e incomum”.
“Os menores em tal situação devem ter uma oportunidade de mostrar que cresceram e se reabilitaram. Não podem pagar permanentemente por um erro que cometeram quando seus cérebros ainda estavam em formação”, escreveu a juíza.
“Muitos juízes já entenderam que a decisão de 2010 da Suprema Corte significa que a Constituição proíbe sentenças como a que eu apliquei a Bostic. Embora tecnicamente eu não o tenha sentenciado à prisão perpétua, eu apliquei tantas penas sucessivas que excluem qualquer possibilidade de liberdade condicional. Ele não terá direito à liberdade condicional antes de completar 112 anos de idade, o que significa que irá morrer na prisão, apesar de ele haver se reabilitado”, afirmou a juíza.
No artigo, Evelyn Baker diz que sua sentença foi “ignorante e injusta”. E que ela espera que Missouri e alguns outros estados que ainda aplicam tais tipos de penas, sem levar em consideração o que a ciência têm demonstrado, mudem seus entendimentos.
Agora, ela espera que a Suprema Corte dê a Bostic a oportunidade que ela não deu: a de mostrar que ele mudou, se recuperou e não merece morrer na prisão por algo que ele fez quando tinha apenas 16 anos.
“Impor uma sentença de prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional, a um adolescente que não cometeu homicídio, seja em uma única sentença ou múltiplas sentenças, é errado. Bostic era imaturo e eu o puni por isso. Mas hoje eu reconheço que impor sentenças a ele ou a adolescentes como ele que equivalem à prisão perpétua, independentemente de como eles irão se desenvolver com o tempo, é incorreto, injusto e, de acordo com a decisão de 2010 da Suprema Corte, é inconstitucional”, concluiu.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 20 de fevereiro de 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário