O Tribunal Superior de Utah anulou na sexta-feira (10/2) a condenação de um homem acusado de matar sua mulher com um tiro, dentro do carro. Komasquin Lopez sustentou sua inocência no julgamento, jurando que sua então mulher, Shannon Lopez, cometeu suicídio. A história não estava clara para os jurados até que um perito — um suicidologista — testemunhou contra o réu. Ele se baseou em estudos sobre suicídio, para afirmar que a mulher não poderia ter se matado. Posteriormente, tais estudos foram contestados pela ciência.
No ano passado, a Suprema Corte dos EUA anulou a condenação de Duane Buck à pena de morte, em 1997, no Texas, também por causa de um testemunho “inaceitável” de um perito. De acordo com a lei do Texas, um réu condenado só pode ser sentenciado à pena de morte se todos os jurados concordarem que ele será perigoso no futuro. A Promotoria não tinha elementos convincentes para provar isso, mas o perito, contratado pela defesa, declarou: “Buck provavelmente será perigoso no futuro porque ele é negro”.
O promotor criticou o testemunho baseado em “estereotipo racial falso e pernicioso do perito”. Mas os jurados, depois de examinarem o relatório do perito, optaram pela pena de morte.
Depois da decisão da Suprema Corte cancelando a condenação, o estado do Texas revisou outras seis condenações à pena de morte, em que o mesmo perito foi a testemunha-chave da acusação. E tomou a decisão de reverter todos os julgamentos. O caso de Buck exigiu interferência da Suprema Corte porque o perito foi contratado pela defesa, não pela acusação.
Esses são apenas dois casos de uma sequência de julgamentos que foram anulados nos últimos anos, por erros no testemunho de peritos. Muitos erros, tanto na área criminal como na civil, decorrem do que os advogados americanos chamam de ciência ruim (bad science). Outros, por erros do próprio perito.
O Instituto dos Peritos (The Expert Institute) pediu a advogados para apontarem erros de peritos que ocorreram em julgamentos de que participaram. Eles apontaram seis erros que peritos podem cometer (e o instituto recomendou aos advogados que aprendam a lidar com peritos, que são humanos e muitas vezes trabalham sob muita pressão):
1. O perito deixa de revelar informações negativas em seu passado
O advogado Cephus Richard contou que, há alguns anos, quase perdeu a causa porque, durante a inquirição cruzada, no julgamento, veio à tona que o perito que contratara já havia sido condenado criminalmente por “solicitação de prostituição”. Ele foi pego de surpresa, mas conseguiu substituir o perito, e o julgamento foi em frente.
2. O perito já testemunhou o contrário no passado
O advogado John Bahe contou que um perito que contratou para ajudá-lo na defesa se “esqueceu” de que havia testemunhado em favor da acusação em um caso semelhante no passado. Assim, ficou evidente que ele estava oferecendo testemunhos contraditórios em dois julgamentos. Ou seja, ele tinha um testemunho sob medida para quem o contratasse.
3. O perito fala demais e sai de sua área de especialização
O advogado Goerge LaMarca teve problemas com um perito que atravessou os limites de sua área de especialização ao testemunhar. Na inquirição cruzada, um promotor hábil conseguiu mostrar que ele estava testemunhando sobre coisas fora de sua especialização e minou sua credibilidade perante os jurados.
O advogado John Jickey, por sua vez, teve problemas com um perito que declarou ser especializado em algumas áreas, mas não pode garantir que era especializado na área que estava em discussão no processo, da qual ele só tinha conhecimentos gerais. Também criou um problema de credibilidade.
A advogada N. Jean Shendel citou o caso de um clínico geral que deu suas opiniões sobre o padrão de tratamento médico de um médico especialista. Quando isso acontece, ela disse, a outra parte não tem dificuldades para conseguir a exclusão do testemunho ou apontar a falha na inquirição cruzada e minar a credibilidade do perito.
4. O perito discute com a outra parte na inquirição cruzada
O advogado John North disse que um dos maiores erros de peritos é discutir com a outra parte e tentar explicar porque respondeu “sim” ou “não” a uma pergunta. Ao fazê-lo, além da conta, eles passam a ser vistos como advogado de uma das partes, e não como peritos que estão ali para esclarecer uma questão técnica. Ele perde credibilidade. O advogado contou que, em um dos casos, seu perito não queria perder uma discussão com o advogado oponente e acabou por fazer uma declaração que contrariava outra declaração que ele deu em um julgamento anterior — declaração que a outra parte tinha uma transcrição.
5. O perito dá uma aula sobre o assunto por exibicionismo
O advogado Paul Hines disse que, às vezes, peritos não levam em conta que o testemunho é apenas parte de um procedimento contraditório e o veem como uma oportunidade para dar uma aula. O perito pode aproveitar a oportunidade para “educar” os jurados, mas uma inquirição cruzada não é o cenário adequado para se prestar informações além do necessário. Pode falar demais.
6. O perito deixa de levar ao julgamento o material que comprova suas teses
O advogado Jeff Korek disse que há peritos que comparecem ao tribunal confiantes demais de que sua palavra será o suficiente para convencer os jurados ou o juiz e não leva material que pode ajudá-lo a comprovar o que diz. Às vezes, isso é percebido pela outra parte, que informa os jurados que ele não tem qualquer material comprobatório do que disse.
O site FindLaw também traz uma lista de erros cometidos por peritos em julgamentos, mas um dos itens dá uma contribuição mais importante para a discussão: o perito nunca deve ver o júri como um grupo de ignorantes e tratá-los como tal. Ele deve se lembrar de que cada jurado também é um especialista em alguma coisa, tal como ele.
O ator, humorista e colunista Will Rogers disse: “Toda pessoa é ignorante, apenas em assuntos diferentes”. Isso poderia ser convertido em: “Toda pessoa é uma especialista, apenas em assuntos diferentes”. Os jurados podem não ser especialistas no mesmo campo do perito, mas são especialistas no que fazem. E no decorrer do julgamento, eles serão os únicos especialistas importantes sobre os fatos, provas e testemunhos que forem apresentados, bem como sobre a credibilidade de cada testemunha.
Revista Consultor Jurídico, 12 de fevereiro de 2018.
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