Dois membros do Ministério Público divergiram sobre a aplicação do garantismo penal em painel promovido nesta terça-feira (29/8) durante o 23º Seminário Internacional de Ciências Criminais, em São Paulo. Para a promotora Ana Cláudia Pinho, de Belém, a função do processo criminal é essencialmente garantir direitos do acusado, enquanto o procurador da República paulista Andrey Borges de Mendonça defendeu que os procedimentos devem ir além da defesa e buscar a eficiência.
Professora da Universidade Federal do Pará, Ana Cláudia foi uma das primeiras palestrantes de evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Ela afirmou que, “no campo penal, o mais fraco sempre é o imputado”, independentemente da pessoa acusada, do crime ou da situação da vítima, porque o processo já é uma forma de punição, e a democracia só é praticada quando se respeitam as regras do jogo.
Autodeclarada garantista, a promotora disse que não é a favor da impunidade, e sim da “punição com racionalidade”, citando caminhos pregados pelo jurista italiano Luigi Ferrajoli. Ana Cláudia comparou o processo a uma corrida de obstáculos, que só pode chegar a um resultado no final quando todas as barreiras são cumpridas corretamente — inclusive a produção de provas —, sem nenhuma trapaça do poder estatal.
Como os membros do Judiciário não são eleitos, a palestrante disse que é obrigação da magistratura garantir direitos fundamentais, mesmo que contrária a apelos populares. “Para termos democracia, pagamos um preço”, declarou. “O Direito Penal é necessário para defender a minoria.” Ana Cláudia criticou prisões cautelares baseadas genericamente na “ordem pública” e disse que, quanto mais juízes fundamentam decisões, mais cumprem seu papel.
O Ministério Público também deve seguir esse dever constitucional, na avaliação da promotora. Ela afirmou que, ao receber inquéritos, não parte diretamente para a denúncia, e sim para a análise. Também declarou que, quando colegas comentam ter dúvidas sobre provas contra um suspeito, responde que, “se você tem dúvida, tem resposta: arquiva”.
Teoria e prática
Segundo o procurador Andrey Borges, que integrou a força-tarefa do Ministério Público Federal na operação “lava jato” e atua em casos que procuram responsabilizar agentes do regime militar por violação a direitos humanos, o garantismo deve ser visto como ponto de partida, mas é uma teoria distante da realidade social, pois “nem sempre o suspeito é a parte mais débil”.
“Não é necessário restringir direitos fundamentais para que o processo penal seja eficiente, mas não basta que as garantias do imputado sejam respeitadas. Isso não é processo eficiente. Se aqui [no país] é, esse é um processo muito particular do Brasil. Nosso sistema só é eficiente para a população pobre, mas não para o criminoso de colarinho branco.”
Ele criticou as regras brasileiras de prescrição e afirmou que as “garantias tradicionais” precisam ser revistas, por exemplo, se um acusado decide colaborar com as investigações e assina delação premiada, pois não dão respostas adequadas para o modelo consensual.
Quando a estratégia de defesa é fechar “negócio”, na avaliação do procurador, é preciso “refletir sobre o processo penal” e é possível aceitar a “livre iniciativa” das partes. Nessa linha, Mendonça definiu como “plenamente constitucionais” cláusulas do MPF que obrigam o colaborador a desistir de recursos. Ele negou, porém, ser antigarantista.
Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 30 de agosto de 2017.
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