*Wagner Dias Ferreira
Todos já passaram por uma situação onde alguém interpela outra pessoa e, ante o silêncio, diz: estou falando com você. Há um pressuposto de que toda pergunta deve ser respondida e que o silêncio provoca um incômodo interior quase insuportável.
Desde os tempos inquisitoriais, busca-se dos acusados de praticar conduta criminosa a confissão. Em dado momento sob o argumento de que ela levaria à redenção da alma pecadora. Para isso todo tipo de instrumento de tortura foi desenvolvido para obter confissões.
Na verdade, a confissão traz paz ao inquisidor, que irá se justificar com o argumento de que a pessoa confessou, seja ou não verdade o conteúdo da confissão.
Em 1988, a Constituição consagrou o direito ao silêncio. O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. Desta forma, resta apenas ao preso, como instrumento de defesa, o direito de permanecer calado, que muitas vezes é desrespeitado pelo policial que faz a abordagem no local dos fatos, pelo delegado de polícia e seus agentes, pelo promotor de justiça e pelo juiz.
Não raros são os casos em que o policial, protagonista em uma prisão em flagrante, comparece em juízo e afirma que ouviu a confissão do preso, daí ao ser indagado se informou ao preso os seus direitos, antes da confissão, dizem que é o procedimento, ou que a confissão foi oferecida.
Em outras situações, delegados intimam a pessoa para prestar depoimento sobre uma situação “x” e aproveitam para perguntar sobre outra. De modo a pretender da pessoa inquirida que responda a perguntas sobre situações nas quais ela pode ser incriminada, sem lhe informar do direito de permanecer calada.
Já se pode observar até promotores e juízes dizendo em audiência que a pessoa tem o direito de permanecer calada, mas o promotor e o juiz têm o direito de perguntar. Daí fazem perguntas detalhadas do fato para confundir o acusado e quem sabe arrancar alguma resposta que será interpretada em seu desfavor.
O silêncio perturba o íntimo do interlocutor. Permanecer em silêncio provoca no interlocutor transtorno. Eis que todas as suas convicções sobre o acontecimento lhes são devolvidas e ele se dá conta de que precisa reexaminar o evento, que muitas vezes não pode provar.
A enormidade de prisões baseadas na suspeita, que nada mais é que o fruto de uma visão preconceituosa de determinados grupos de pessoas, agrava o transtorno interno sofrido pelo acusador de um preso que permanece em silêncio, fazendo emergir a discriminação.
É como quando se vai a um cemitério. Os mortos estão ali quietos, em silêncio, mas provocam no visitante um enorme transtorno interno, posto que obrigam a este transeunte que pensem no seu momento de iniciar o silêncio perpétuo, e isso em certos momentos pode ser aterrorizador, mas em outros libertador motivando para uma atitude mais positiva, solidária, de honra e de virtude diante da vida.
Façam Silêncio.
*Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG
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