Eventuais agressões físicas e verbais ou mesmo abuso de autoridade na prisão não podem ser considerados tortura se os responsáveis em nenhum momento exigem que os agredidos confessem delitos, façam declarações ou passem informações. Assim entendeu o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao absolver dois delegados, três investigadores e um escrivão acusados de torturar pessoas em 2003.
Um dos réus era o deputado estadual Delegado Olim (PP), o que levou a ação penal ao colegiado máximo do TJ-SP, formado por 25 desembargadores. Ele e os colegas foram acusados de causar sofrimento a quatro pessoas, inclusive um casal que teve a casa utilizada para cativeiro — dias antes, um homem sequestrado havia conseguido fugir, identificando o local posteriormente.
O casal foi preso sem mandado judicial ou flagrante, mesmo afirmando que o quarto havia sido alugado a um terceiro, e relatou ter sofrido violência física na abordagem policial. Uma vizinha relatou que foi ameaçada por ter insistido em acompanhar a cena. Grávida de três meses, ela sofreu um aborto dias depois e atribuiu a morte do feto ao episódio.
Outro suspeito do crime, abordado no mesmo dia, disse que foi agredido com a própria muleta e submetido a sprayde pimenta na detenção da Divisão Antissequestro. Segundo o Ministério Público, autor da denúncia, Olim deu permissão para todos os atos.
Abuso prescrito
O relator do caso, desembargador João Negrini Filho, reconheceu que houve “alguns excessos” na ação policial, “caracterizadores de abuso de autoridade e eventuais lesões corporais leves”. O problema, segundo ele, é que essas condutas já prescreveram.
Negrini disse ainda que não houve comprovação concreta de tortura, “pois os laudos de exame de corpo de delito não apontaram o resultado material das agressões”. Embora a mulher presa tenha sido diagnosticada com abalo psicológico, o desembargador considerou o quadro “perfeitamente compreensível, dada a situação pela qual passou (uma prisão sem o devido mandado e por um crime que ela não praticou e/ou participou)”.
O relator focou as atenções para a tipificação fixada na Lei 9.455/97. O texto só considera tortura “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa”.
Ele avaliou ainda que os relatos de agressão dentro da Divisão Antissequestro, como uso de gás de pimenta, envolve policiais civis não identificados, sendo impossível atribuir tal conduta aos policiais que estiveram na residência do casal. E o aborto sofrido pela vizinha, afirmou, também não pode ser relacionado diretamente ao episódio, pois ela tinha hipertensão arterial.
O voto foi seguido por unanimidade. O vice-presidente do TJ-SP, desembargador Ademir Benedito, afirmou que “o tipo penal atribuído aos réus é aberto, mas exige o dolo, consistente na vontade de infringir sofrimento físico ou psicológico à vítima com o objetivo de obter confissão, informação ou delação”.
Segundo ele, o MP não apresentou nenhuma prova nesse sentido, pois “nem as próprias vítimas disseram ter havido espancamento ou pressão emocional por parte dos policiais com a exigência de que confessassem ou informassem algo”.
Para o advogado Gustavo Neves Fortes, que representa Olim, o TJ-SP foi além da interpretação restritiva da lei, pois constatou falta de materialidade sobre os relatos de agressões físicas. O criminalista, que integra o escritório Castelo Branco Advogados Associados, afirmou em sustentação oral que exames de corpo de delito não identificaram lesões nas supostas vítimas.
Ele aponta ainda que o juízo de primeiro grau já havia rejeitado a denúncia antes do delegado ganhar prerrogativa de foro, mas a ação penal voltou a tramitar depois de recurso do Ministério Público.
Clique aqui para ler o acórdão.
Processo 0009789-04.2015.8.26.0000
Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário