Os defensores da legalização da maconha obtiveram uma vitória expressiva na semana que passou: a “Lei do Uso da Maconha por Adultos” (AUMA – Adult Use of Marijuana Act), da Califórnia, foi incluída na cédula de votação das eleições gerais de novembro, quando será eleito o próximo presidente da República. Isso significa que os eleitores da Califórnia vão dizer sim ou não a lei, através de seus votos. Se for aprovada pela maioria dos eleitores, a lei entra em vigor em uma data especificada.
É comum em eleições americanas incluir nas cédulas eleitorais diversas “proposições”, muitas delas “certificadas” através de um processo de coleta de assinaturas de cidadãos, para votação plebiscitária (sim ou não) – além de se votar para presidente, governadores, deputados e senadores, prefeitos, juízes, xerifes, representantes de distritos escolares e outros cargos públicos.
Nas eleições de 8 de novembro deste ano, por exemplo, os eleitores da Califórnia irão votar em 17 proposições (entre mais de 100 que chegaram a ser propostas, mas não obtiveram o número de assinaturas exigível).
Todas as proposições terão suas próprias campanhas eleitorais, com grupos contra e a favor de cada uma gastando milhões de dólares no “vote sim” ou “vote não”. O jornal Los Angeles Times estima que, neste ano, serão gastos mais de US$ 452 milhões nas campanhas das proposições.
A campanha em favor da lei que propõe a legalização da maconha já levantou US$ 2,25 milhões, segundo o Ballotpedia, site dedicado à Política. Desse total, US$ 1 milhão foi doado pelo fundador do Napster e ex-presidente do Facebook, Sean Parker, e US$ 500 mil por uma organização chamada “Drug Policy Action”.
O poder da Califórnia
A inclusão da lei que legaliza a maconha para uso de adultos (acima de 21 anos) na Califórnia foi uma vitória significativa para seus defensores por três razões: primeira, todos os prognósticos são de que a lei será aprovada pelo eleitorado (as pesquisas indicam que 60% dos eleitores são a favor da legalização); segunda, se a Califórnia aprovar a legalização da maconha, a tendência é a de que todos os demais estados sigam o líder; terceira, isso irá fazer uma pressão sobre o governo federal a descriminalizar o uso da maconha nas leis federais.
Se há essa história de “seguir o líder” nos Estados Unidos, o estado-líder é a Califórnia. É o estado mais rico do país. Se fosse um país, seria a sexta maior economia do mundo. Um em cada dez americanos vive na Califórnia – é uma proporção significativa, considerando que os EUA têm 50 estados e mais o Distrito de Colúmbia. Só a Grande Los Angeles tem mais habitantes que os estados do Colorado, Oregon, Washington e Alasca, os quatro estados que aprovaram a legalização da maconha para uso recreativo – não só para uso medicinal. A Califórnia foi o primeiro estado a legalizar o uso da maconha para uso medicinal, em 1996.
A Califórnia é o estado “definidor de tendências”, sempre o primeiro a quebrar estereótipos e, quase sempre, o primeiro a ditar modas. Em termos de legislação, uma lei aprovada pela Califórnia tende a exercer um efeito cascata nos demais estados, que as copiam – são chamadas de leis “copycat”, diz a revista Rolling Stone.
A Califórnia poderá demonstrar, mais do que qualquer outro estado, o impacto financeiro, favorável à economia do estado, da legalização da maconha. Se aprovada, a lei prevê uma alíquota de 15% para a tributação da maconha, o que deverá gerar uma receita de US$ 1 bilhão por ano, além de economias calculadas em US$ 100 milhões com o fim do combate ao tráfico e consumo de maconha.
Ainda há uma economia adicional, não calculada, que virá do fim da prisão de usuários de maconha. Só na Califórnia ocorrem cerca de 13 mil prisões por ano, relacionadas à maconha, segundo o site California NORML(National Organization for the Reform of Marijuana Laws). Em todo o país, ocorrem cerca de 750 mil prisões por ano, relacionadas à maconha, segundo a organização Drug Policy Alliance. Os presos por consumo, na Califórnia, poderão ser liberados.
Outras receitas virão de licenciamentos. A lei prevê 19 tipos diferentes de licenças que poderão ser concedidas, entre elas as de plantio, distribuição e comercialização. Poderão ser abertas casas, chamadas "bud-and-breakfasts", em que os usuários podem se hospedar, oferecendo café da manhã e maconha. Licenças para plantação em grande escala serão negadas nos primeiros cinco anos, para desestimular a formação de grandes corporações da maconha.
As receitas previstas poderão financiar vários programas estaduais, como o da pesquisa da maconha para uso medicinal. Uma parcela significativa das receitas será destinada aos órgãos de segurança, notadamente os departamentos de polícia, que combatem o tráfico e o consumo de drogas.
A destinação de verbas oriundas de receitas da tributação da maconha é uma medida especialmente interessante, porque os órgãos de segurança, que se envolvem no combate ao tráfico e consumo de drogas, são as partes mais resistentes à descriminalização da maconha na legislação federal. Isso porque uma boa parte da renda dessas instituições policiais deriva do confisco de bens de pessoas envolvidas com drogas. Com o fim esperado do tráfico, essas rendas vão desaparecer.
Na Califórnia, os defensores da lei preveem que a legalização da maconha vai “quebrar as pernas” dos cartéis da droga, especialmente os do México, disse à revista Roling Stone a diretora da Drug Policy Alliance Lynne Lyman.
Isso não é bem verdade, dizem os opositores da medida, por causa da alta alíquota dos tributos e da regulamentação, o que, provavelmente irá encarecer os preços da maconha e deixar um mercado aberto para os traficantes com produtos mais baratos. Para eles, o que a Califórnia quer é criar a indústria da maconha, uma nova versão das grandes empresas de cigarros, em que se gera muito dinheiro graças ao vício das pessoas.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 11 de julho de 2016.
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