Enquanto o Supremo Tribunal Federal não define os limites do poder de investigação do Ministério Público, a instituição vai se equipando para conduzir inquéritos e produzir suas próprias provas para os processos penais em que atua. É o que revela relatório apresentado nesta terça-feira (6/8) pelo conselheiro Fabiano Silveira, do Conselho Nacional do Ministério Público.
Das 30 unidades do Ministério Público brasileiro, 21 possuem ou têm acesso a sistemas de monitoramento de interceptações telefônicas. Das 21 unidades, 17 possuem equipamento própriopara fazer as gravações e quatro usam equipamentos cedidos por órgãos do Poder Executivo estadual para gravar conversas de alvos de suas investigações.
De acordo com informações do relatório, repassadas pelas próprias unidades do MP, a instituição já investiu R$ 8,3 milhões para a aquisição de três tipos de sistemas de grampos telefônicos, sem contar custos de manutenção dos sistemas. Em apenas dois casos foi feita licitação para a compra dos equipamentos: o MP de São Paulo fez pela modalidade pregão e o MP de Mato Grosso do Sul por tomada de preços. As outras 15 unidades do Ministério Público compraram o equipamento com dispensa ou por inexigibilidade de licitação.
Onze unidades do MP usam o sistema Guardião — oito compraram o sistema e três usam por cessão de secretarias de estado. Outras seis unidades usam o Wytron e quatro, o Sombra. O relator também revela que em maio de 2013, o MP monitorava 16.432 telefones e 292 e-mails. E 9.558 pessoas eram investigadas.
O relatório foi apresentado no julgamento de Pedido de Providências feito pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no ano passado, na gestão do então presidente Ophir Cavalcante Júnior. A OAB pediu que o CNMP fizesse inspeção e auditoria nos sistemas de escuta e monitoramento adquiridos pelo Ministério Público.
O relator do processo, conselheiro Fabiano Silveira, requisitou informações a todas as unidades do MP e as respostas, com suas conclusões, estão detalhadas no relatório de 110 páginas apresentadas nesta terça. O processo não foi definido porque o julgamento foi suspenso por pedido de vista.
As informações descortinam o funcionamento das escutas feitas pelo Ministério Público, com o amparo de autorização judicial. Desde os sistemas contratados, e qual o seu preço, até se é permitido o acesso de servidores a eles e quais os órgãos, dentro do MP, responsáveis pela supervisão das escutas.
Na maioria dos casos, a competência da supervisão é do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, o Gaeco, criado por muitas unidades do Ministério Público. Mas, segundo o relatório, “em 8 unidades (MP/SP, MP/AP, MP/ES, MP/AM, MP/BA, MP/PA, MP/PB e MP/RS), o acesso ao sistema de monitoramento das interceptações telefônicas é — pelo menos em tese — franqueado a todos os membros do Ministério Público que necessitem executar a medida, admitindo-se eventualmente até mesmo o acesso de servidores dos órgãos de execução”.
São três os sistemas de monitoramento telefônicos comprados pelo Ministério Público. O Guardião, da empresa Dígitro, o Sombra, da Federal Tecnologia, e o Wytron, da Wytron Technology. O relator compara preços e conclui que, com base nos valores informados, “sem entrar na complexidade e nos recursos oferecidos por cada sistema”, a solução mais econômica para o Ministério Público é a aquisição do sistema Wytron, seguido pelo sistema Sombra e pelo sistema Guardião.
Fabiano Silveira aborda, em boa parte do relatório, o poder de investigação do Ministério Público. Cita a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que sinaliza para a permissão da investigação penal por parte do MP e observa que “o único fundamento jurídico para a aquisição de sistemas de monitoramento de interceptações telefônicas (a exemplo do Sistema Guardião) por parte do Ministério Público é a sua legitimidade constitucional para conduzir investigações por iniciativa própria, observadas as hipóteses em que tal procedimento mostra-se justificável à luz da jurisprudência do STF, como, por exemplo, nos casos de omissão, ineficiência ou morosidade da polícia judiciária, bem como no exercício do controle externo da atividade policial”.
De qualquer maneira, o relator recomenda que seria desejável, “a bem dos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, que a legislação ordinária descrevesse as hipóteses que justificam a investigação diretamente conduzida pelo Ministério Público, evitando-se, assim, casuísmos e arguições de nulidade”. Ou seja, falta regulamentação clara no setor.
Das 21 unidades que usam sistemas de interceptação telefônica, 18 recorrem a policiais civis ou militares para operá-los. Para Silveira, isso revela uma contradição. “Se a investigação levada a cabo pelo Ministério Público é justificada por alegada deficiência dos serviços prestados pela polícia judiciária ou até mesmo por dita fragilidade institucional por sua exposição ao poder político, estranho admitir que o órgão ministerial recorra justamente a quadros das polícias civil e militar para desempenhar as funções reivindicadas pela instituição”, afirma.
Ao final, o conselheiro determina que as corregedorias de todas as unidades do MP façam, no prazo de 90 dias, inspeções nos órgãos que operam os sistemas de escutas e encaminhem relatórios para a Corregedoria Nacional. E propõe uma resolução que, na prática, cria um cadastro nacional para monitorar “a quantidade de interceptações em andamento e o número de investigados que tiveram seus sigilos telefônico, telemático ou informático quebrados”. Se aprovada a proposta, os dados devem ser encaminhados mensalmente à Corregedoria Nacional pelo membro do Ministério Público responsável pela investigação criminal ou instrução penal.
Clique aqui para ler o relatório.
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2013
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