sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Proliferação de faculdades contribui para má formação


Como de resto em quase tudo que envolve educação no Brasil, quantidade e qualidade estão gravemente comprometidas: já são quase 5 mil vagas abertas e não preenchidas por falta de qualificação dos candidatos. Estamos nos referindo aos tribunais do país, asfixiados por milhares de processos concentrados na alçada de uma quantidade insuficiente de juízes e servidores —atualmente a vagância já chega a 4.341 cargos no Judiciário.
Insolitamente, as estatísticas que demonstram este descompasso se agregam àquelas tradicionais responsáveis pelas mazelas do nosso Judiciário. O déficit de profissionais na magistratura tem sido creditado à exigência elevada nos processos seletivos, à preparação de baixa qualidade dos cursos jurídicos no país ou a um misto de ambas. Creio que a segunda hipótese é mais pertinente, considerando-se que os cursos de graduação no país apenas espelham o que sucede com a educação básica em termos qualitativos.
Em sendo extensões de uma base escolar desprivilegiada e caduca, aos cursos jurídicos também tem sido aplicadas medidas compensatórias das deficiências mediante programas governamentais duvidosos centrados no financiamento e no sistema de cotas que minam o mérito e a construção durável e íntegra do saber.
Lamentavelmente, um grande número de universidades privadas que privilegiam a lucratividade imediata sobre a qualidade do ensino e a excelência concretizada a longo prazo têm “formado” inescrupulosamente um contingente de bacharéis em Direito despreparados que, ao não superarem suas carências educacionais, terminam por amoldar-se a um mercado de trabalho aviltante. Ao superarem os obstáculos formais, a atuação se segmenta numa diversidade de profissões, podendo dar-se como membro da Magistratura, das Polícias, da Defensoria ou do Ministério Público, caso os pretendentes passem nos concursos respectivos. Quanto ao conhecimento técnico para o exercício da advocacia, só a aferição mediante o Exame de Ordem qualifica formalmente o advogado para o exercício do seu mister.
Em muitos casos, a advocacia é mera profissão de passagem antes do ingresso nas carreiras jurídicas públicas, objetivo perseguido pela maioria dos formandos. Enquanto estas carreiras promovem treinamentos e cursos de formação mediante suas dispendiosas escolas, o exercício da advocacia fica na dependência da aprovação no Exame de Ordem, a qual não contempla ou é sucedida por um treinamento específico a substanciar a habilitação necessária à carreira. Se a aprovação no Exame de Ordem não é garantia do preparo do advogado, ao menos é espécie de filtro para minimizar os efeitos danosos da má formação universitária, agravados pela proliferação desmedida dos cursos jurídicos no país.
Em 10 anos foram criados mais de 900 faculdades de Direito, de modo que atualmente existem cerca de 1.259 cursos de Direito em funcionamento, muitos dotados de índole mercadológica e com currículos que supervalorizam o direito posto e condições que desvalorizam a carreira docente. A ampliação sem freios do acesso ao ensino de Direito tem sido tratada como uma das maiores causas da formação de má qualidade. Para compensar a gravidade de tal situação, paralelamente constata-se a proliferação de uma igualmente rentável indústria de cursinhos preparatórios de concursos para o ingresso nas carreiras jurídicas e aprovação no Exame de Ordem. A flexibilidade no acesso às universidades, especialmente as privadas, tem convertido o alunado em clientela, dissociado o conhecimento acadêmico da formação humanística e desestimulado o pensamento crítico.
O presidente do Conselho Federal da OAB, Marcos Vinícius Furtado Coelho, apesar de haver declarado que o Conselho Federal fornece um parecer de autorização de funcionamento e, cinco anos depois, outro, para o reconhecimento do curso jurídico, afirmou que tais pareceres não vinculam a decisão do MEC. Ainda assim, neste mês, proporá ao MEC tanto o congelamento de novas vagas em cursos de Direito já existentes, quanto o de novos cursos, afora a criação de um grupo de trabalho para verificar quais cursos têm condições de continuar em funcionamento.
Trata-se de elogiável passo no enfrentamento de um gravíssimo problema que tanto envolve o futuro da advocacia, quanto o do ingresso deficitário nas carreiras jurídicas públicas. A estruturação e a eficiência das profissões essenciais à Justiça são elementos de extrema importância para a sociedade, refletindo-se na composição e na qualificação das nossas instituições republicanas. O conhecimento sólido e a conscientização crítica dos indivíduos adquirem valor não apenas no estabelecimento de vínculos com as necessidades sociais e culturais, mas com as aspirações e ideais de um povo.
Erick Wilson Pereira é advogado, professor, mestre e doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico, 14 de fevereiro de 2013

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