segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Prazo máximo para prisão preventiva é um começo


Em 14 de setembro de 2012 foi publicada a Lei 12.714 (que entrará em vigor 365 dias depois da sua publicação), que “dispõe sobre o sistema de acompanhamento de execução das penas, da prisão cautelar e da medida de segurança”.
De acordo com a referida lei, os dados e as informações da execução da pena, da prisão cautelar e da medida de segurança deverão ser mantidos e atualizados em sistema informatizado de acompanhamento da execução da pena.
Embora a lei denomine em seu artigo 1o “sistema informatizado de acompanhamento da execução da pena”, o sistema inclui informações sobre todas as fases processuais, incluindo data para encerramento do inquérito e oferecimento da denúncia, por exemplo. Também não é demais atentar para o fato de que na epígrafe da lei o sistema não se destina apenas ao acompanhamento da execução da pena, mas se estende à prisão cautelar e à medida de segurança.
Podemos verificar, ademais, que a lei, no artigo 3º, atribui a cada autoridade atuante no sistema penal a responsabilidade pela inserção de determinadas informações.
Assim, caberá à autoridade policial, “por ocasião da prisão”, inserir no sistema as informações sobre nome, filiação, data de nascimento e sexo do preso; data da prisão ou da internação; comunicação da prisão à família e ao defensor; o tipo penal e a pena em abstrato.
Ao magistrado “que proferir a decisão ou acórdão” caberá inserir no sistema informações quanto ao tempo de condenação ou de medida aplicada; aos dias remidos; e à utilização de equipamentos de monitoração eletrônica pelo condenado.
O diretor do estabelecimento prisional deverá inserir informações sobre os dias de trabalho ou estudo; o atestado de comportamento carcerário; e as faltas graves.
O diretor da unidade de internação deverá inserir os dados sobre o exame de cessação da periculosidade, no caso de medida de segurança.
Algumas perplexidades surgem de imediato: o que ocorrerá se o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, der ao fato definição jurídica diversa da que fez o delegado, já que este é quem tem atribuição para inserir a informação referente ao tipo penal no sistema? Vejam que o Ministério Público não é autoridade “alimentadora” do sistema, portanto, não pode corrigi-lo ou alterá-lo. A eventual (e provavelmente necessária) correção demandará, burocraticamente, decisão judicial.
Isso implica dizer que o sistema terá um “diálogo” com a pessoa errada, já que o dominus litis, quem deve tipificar a conduta em última e mais circunstanciada análise, não é a mesma pessoa que irá informar o sistema.
Outra, no mínimo interessante previsão, é que o magistrado incumbido de “alimentar” o sistema é aquele que proferiu decisão ou acórdão. Como a lei não especifica a espécie de decisão, parece que refere-se a decisão de qualquer natureza, não apenas sentença. Isso é muito importante quando verificamos que ele é incumbido de inserir no sistema informações a respeito do “tempo de condenação ou da medida aplicada”. A pergunta é: a que “medida” o texto legal se refere? Se for apenas referente às medidas de segurança, o objeto da lei, tal qual descrito na sua epígrafe, torna-se inócuo e parcial, porquanto o mesmo se refere não apenas à pena e a medida de segurança, mas também à prisão cautelar.
A melhor interpretação, constitucionalmente adequada e em favor rei, inclusive dando um passo (embora ainda lento) na direção da observância dos direitos fundamentais, mormente no que concerne à limitação do tempo de prisão cautelar tal como previsto no artigo 7º do Decreto 678/1992 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), é que a “medida” a que se refere o texto da lei inclui as medidas cautelares, incluindo a prisão preventiva e temporária.
Assim, torna-se uma obrigação do magistrado “que proferir a decisão” de decretação da prisão cautelar ou de conversão da prisão em flagrante em preventiva inserir no sistema o tempo de duração desta medida, obrigando todas as agências do sistema penal à observância do prazo por ele mesmo fixado.
Isso implica dizer que afora os confusos e permissivos limites temporais de duração da prisão preventiva construídos pela jurisprudência à guisa de prazo legal, sempre renegados por hipóteses excludentes da obrigação de observá-los convenientemente aplicados conforme o caso concreto, podemos compreender que o juiz passa a ter um papel ativo não apenas na observância do prazo prisional, mas na fixação prévia deste, isto é, na determinação do prazo máximo de duração da prisão preventiva no ato da decisão que impõe a medida restritiva cautelar.
Esta é uma interpretação que se aduna ao sistema acusatório, pois que o sigilo dos atos processuais e, sobretudo, o desconhecimento das regras atinentes ao processo penal são características inquisitórias próprias dos mais sombrios procedimentos do Santo Ofício.
Ainda que a lei processual penal não fixe com exatidão tempo máximo de duração das prisões cautelares, é conditio sine qua non de existência de um processo de garantias que seus agentes, sobretudo aquele que se submete ao exercício do poder (leia-se, o acusado), conheça previamente suas regras. A surpresa não é parte do jogo processual penal.
Não saber o prazo máximo que deve durar a prisão cautelar é desconhecer o direito à liberdade. E desconhecer o direito à liberdade é negar o direito à liberdade.
Por isso, conquanto não se possa afirmar que a obrigação do juiz fixar previamente o prazo de duração da prisão preventiva seja um avanço, vez que deveria haver definição do prazo máximo em lei, é um começo.
Antonio Eduardo Ramires Santoro é advogado, professor adjunto da UFRJ e professor da Universidade Gama Filho e da Emerj. Doutor e mestre em Filosofia (UFRJ). Mestre em Direito (Universidade de Granada, Espanha).
Revista Consultor Jurídico, 15 de fevereiro de 2013

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