quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Falsificação grosseira de documento é fato atípico


Documento falsificado de forma grosseira, por se encontrar na iminência de ser imediatamente percebido e apreendido, não compromete a fé pública. Logo, quem se beneficiou deste não cometeu crime, pois a conduta é atípica.
Com esta fundamentação, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sulreformou sentença que condenou um homem por ter "comprado" uma Carteira Nacional de Habilitação (CNH) falsa na Comarca de Igrejinha. A falsificação só foi constatada numa barreira de trânsito, após o motorista ter rodado com o documento por mais de um ano.
Enquadrado nas sanções do artigo 304, combinado com o artigo 297, caput, ambos do Código Penal, o motorista foi condenado à pena de dois anos de reclusão, em regime aberto. A pena foi substituída por pagamento de multa e prestação de serviços à comunidade.
O relator da Apelação-Crime, desembargador Marcel Esquivel Hoppe, ao contrário do que o juízo de primeiro grau expressou na sentença, entendeu que se trata de conduta atípica. Para justificar sua percepção, citou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e destacou o depoimento do policial militar que fez a apreensão do documento falso.
Conforme o relator, o policial, ainda durante a fase de inquérito, afirmou que os sinais de falsificação da CNH eram visíveis, visto que constava, na parte interior, ter sido expedida pelo Detran do estado da Paraíba. E o motorista havia dito que o documento fora feito em Porto Alegre, quando pagara R$ 500 a um "despachante". Tal impressão foi reforçada quando deu depoimento em juízo. Outro policial ouvido seguiu na mesma linha.
"Assim, tratando-se de falsificação grosseira, visivelmente perceptível, a conduta torna-se atípica, por ausência de potencialidade lesiva", concluiu o relator. Logo, como não houve tipicidade no fato denunciado pelo Ministério Público estadual, o réu foi absolvido com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP) — por não constituir o fato em infração penal. O acórdão foi lavrado dia 13 de dezembro.
Detalhe "capital"
O juiz de Direito Vancarlo André Anacleto, da Vara Judicial de Igrejinha, ao justificar sua decisão, também levou em conta os depoimentos dos policiais militares. E, por considerar a relevância de certos detalhes relatados no momento da abordagem, afastou a tese de atipicidade de conduta por falsificação grosseira.

Conforme o juiz, a falsificação do documento só viria a ficar clara na cabeça dos policiais após a checagem no Sistema de Consultas Integradas. Após verificarem que a habilitação não estava registrada é que passaram a observar melhor o documento apreendido, constatando que o papel era de um estado e o de trás de outro. E este detalhe faz toda a diferença, pois não se pode falar em "falsificação grosseira".
Aliás, o entendimento do juiz Vancarlo Anacleto, por ironia processual do destino, se alinha com julgado da própria 4ª Câmara Criminal, da lavra do desembargador Marcelo Bandeira Pereira, hoje presidente do TJ-RS.
Diz um trecho da ementa do acórdão, proferido na sessão do dia 29 de abril de 2010: "Não é grosseira a falsificação capaz de ludibriar o homem comum, não considerado o policial militar, que é treinado para detectar falsificação e que, no caso, mesmo assim, para bem se certificar, se utilizou do sistema de informação para averiguação da sua autenticidade. Informações do próprio réu de uso do documento que evidenciam a sua potencialidade para iludir."
Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 8 de fevereiro de 2013

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