segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Artigo: O Estado brasileiro não precisa de vingança

Tenho visto nos noticiários pelo país afora, inúmeros exemplos de mega-operações policiais, as quais são recheadas de uma “espetacularização” digna dos heróis de gibis em quadrinhos.

Confesso que, puramente como cidadão, me encho de orgulho ao ver determinadas operações entabuladas pela polícia militar, civil e federal, as quais vêm cumprindo seu papel de forma clara e digna, sempre embasados pela mão firme do Poder Judiciário, visando coibir práticas criminosas de pessoas eivadas de má índole, que somente visam prejudicar terceiros e o erário público em benefício próprio.

Não obstante, por possuir uma formação acadêmica em Direito, preciso analisar tais situações com um pouco mais de cautela.

Certo é que o nível de corrupção chegou a um ponto tal em nossa sociedade que é preciso tomar medidas mais bruscas para ceifar o mal pela raiz, ou seja, acabar de uma vez por todas com essa institucionalização maldita.

Não menos certo é o fato insofismável dentro do Estado Democrático de Direito: a obediência a Constituição Federal e a legislação em vigor.

Com o devido respeito aos que partilham de opinião contrária, na Constituição Federal do Brasil de 1988 e legislação infraconstitucional, não há espaço, por mínimo que seja, as decisões com base em situações alheias a aspectos estritamente legais e as prisões espetaculares que andam fazendo por aí, como o uso indiscriminado de algemas e a televisão fazendo imagens inéditas das prisões, proporcionando aos “bandidos”, melhor dizendo, indiciados ou réus, a pecha de “culpados” ou figuras execráveis.

Além da agressão aos Princípios da Inocência (art. 5.º LVII CF), do Princípio do Devido Processo Legal (art. 5.º, LIV CF) e Princípio da Ampla Defesa (art. 5.º, LV CF), entre outros dispositivos legais, há que se atentar para uma outra regra que está encartada na Constituição Federal e não vem sendo muito respeitada ultimamente, qual seja, ninguém pode submeter outrem a tortura, nem a tratamento degradante ou desumano (art. 5.º, III CF).

Exatamente isso caros leitores.

Nós não precisamos de vingadores dentro da Justiça, pois isso é uma ditadura travestida de legalidade e é um passo imediato à decadência da raça humana.
O que parece estar acontecendo em vários casos é que muitos aplicadores da norma, os quais partilham de uma corrente doutrinária atual, estão imbuídos de um sentimento de indignação tamanha que, a única solução é a vingança, ou seja, através de decisões judiciais precipitadas e ações policiais “ousadas”, deve se expor determinado “bandido”, melhor dizendo, indiciado ou réu, a uma situação tão humilhante, que tal sujeito vai pensar duas vezes antes de cometer outro crime, bem como vai ver que não se brinca com a “Justiça”.

Não é isso que a Constituição Federal do Brasil de 1988 e legislação infraconstitucional asseverou e tampouco é isso que um Estado Democrático de Direito ensina.

Se alguém cometeu algum delito, que seja processado na forma legal, perquirido a intenção do sujeito e as circunstância do caso, sem precipitação, sem ações cinematográficas e sem decisão judicial divorciada de aspectos legais, pois se isso ocorrer, todos saem prejudicados.

É lógico que a população, muitas vezes sem o esclarecimento adequado do está acontecendo no âmbito do processo, vai condenar sumariamente o indiciado, o réu. Isso é evidente.

Por isso, as decisões judiciais e prisões precisam ser cuidadosas, cautelosas, máxime quando a imprensa está envolvida, pois é um direito da imprensa noticiar os fatos à população.

O que deve se refletir com o máximo de cuidado são as conseqüências de tal ato, pois pode ocorrer um desastre muito maior na vida de determinada pessoa, muitas vezes inocente, a qual, até o desfecho do caso e depois de massacrada pela mídia, se não possuir uma base forte e uma família estruturada sucumbirá a maledicência.

Condenar o próximo sem uma análise mais acurada da realidade e falar dos outros sem o conhecimento técnico adequado é pura leviandade. É pura ignorância. É triste.

Devemos sempre pensar no próximo, na situação em que o mesmo e sua família estão vivendo. Será que é verdade que fulano cometeu um crime? Será mesmo que houve um crime? Por que o Juiz, o Ministério Público e a polícia fizeram isso? As autoridades tinham o dever de prendê-lo? Havia legalidade no ato? A imprensa está correta em noticiar tal fato? O que se ganha com isso?

Pensando desta forma e tomando mais cuidado com nossas atitudes e palavras, certamente nos tornaremos mais sábios, mais humanos e mais justos para com nossos semelhantes, nossos irmãos.

Deixemos para nossos heróis em quadrinho a tarefa da vingança, pois nossa sociedade precisa de Justiça Rápida e Efetiva e não de comentaristas da vida alheia e vingadores de plantão que se regozijam sob os holofotes da mídia.

Éderson Ribas Basso e Silva é advogado na cidade de Umuarama-PR.


O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 03/08/2008.

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