sábado, 23 de agosto de 2008

Artigo: Formação e desenvolvimento de um parricida

"Quem é que não deseja a morte de seu pai?"

(Dostoievsky, F. "Os irmãos Karamazov", Livraria José Olímpio Editora, 1967 2º Tomo, p. 1.122)

Apresentação

Quando exercia a advocacia no interior do Estado do Maranhão, tive a oportunidade de se defensor dativo de um parricida, o que me permitiu fazer uma análise da etiologia do parricídio. Apresento, aqui, em síntese, o resultado desse estudo, em linguagem clara e objetiva, com a profundeza tão-somente que o tema encerra.

O parricídio é um crime que provoca repúdio imediato na sociedade. Os motivos que animam a ação de um parricida são desconhecidos de todos. A primeira reação é de morte e logo lembrada como a punição mais justa para o delito.

Como se forma esse monstro? Como um pais desenvolve, sob seus cuidados, o seu futuro assassino, seu Frankenstein? Até que ponto o pai é responsável pela monstruosa ação do filho?

O crime e o homem

O parricida, objeto do presente estudo, era um rapaz pobre, solteiro, lavrador, católico, semi –analfabeto, de físico fino, apesar da rusticidade dos modos. Primogênito de um casal com oito filhos, contava com vinte e um anos de idade à época do fato.

Ao longo de uma conversa com ele, surpreendeu-me a sua calma e serenidade, manifestando de uma maneira superficial seu possível arrependimento. Para isso invocava sempre o nome de Deus. As razões do seu ato ;mostravam-se, às vezes, contraditórias. A versão que apresentou era cheia de inverdades, mas coma convicção de que havia agido corretamente, reclamando para si a legitimidade do seu ato. Não ;havia, assim, em seu aspecto geral, uma fisionomia repulsiva, capazes de induzir, de início, que se tratava de um criminoso.

A biografia dele acumula fatores formativos que foram decisivos para plasmarem a sua personalidade: aos onze registrou o primeiro desentendimento com o pai; em conflito posterior, foi expulso de casa; o pai, por várias vezes, largou a mulher, mãe de José (nome de batismo do parricida),quando ele tinha doze anos de idade; à época da última separação que ocorreu entre seus pais, a mãe de José passou a convier com outro homem, voltando, depois a morar com seu pais. Segundo observou-me um parente do falecido, as razões da animosidade do pai contra o filho eram os constantes furtos praticados por este, desde criança, o que era repelido violentamente pela autoridade paterna.

Fato interessante que observei foi a reação entre o parricida e sua mãe. Dentre as razões que alinhou para seu gesto tresloucado, a mais importante é que agiu em defesa da mãe, maltratada e ameaçada de morte pelo pai. Em suas declarações na Delegacia, foi enfático: "Ele não deixava eu encostar na minha mãe."

Depois do crime, a mãe não o repeliu, tendo-o visitado, constantemente, na cadeia. Interrogado em Juízo, José asseverou que o seu relacionamento com a mãe sempre foi o melhor possível, sem nunca ter havido nenhum atrito entre ambos.

O planejamento do crime foi meticuloso. Munido de uma espingarda procurou, sorrateiramente, o pai pelas frestas da parede de palha da casa e, quando aquele repousava com a cabeça baixa, desferiu-lhe um tiro que atingiu a fronte dos eu genitor. Estava consumado o crime, cultivado ao longo da sua infância e adolescência, por aquele drama familiar que lhe impregnava de formar abruta e convincente a permissibilidade do seu gesto.

Após a prática do crime, ficou impertubável. Permaneceu em sua casa, onde posteriormente foi preso.

A teoria: entre Freud e Dostoievsky

Não é possível falar em parricídio, de um crime de dimensões tão profundas, que desce ao desconhecido da alma do homem, sem recorrer a Freud, na psicanálise, e a Dostoievsky, na literatura. Por isso, reservei a parte teórica desta pesquisa a transcrever uma passagem de Freud, analisando o parricídio sob a influência do escritor russo. Não haveria melhor simbiose para a ocasião. Assim analisa Freud"

"O relacionamento de um menino com o pai é, como dizemos, 'ambivalente'. Além do ódio que procura livrar-se do pai como rival, uma certa medida de ternura por ele também está habitualmente presente. As duas atitudes mentais se combinam para produzir a identificação com o pia; o menino deseja estar no lugar do pai porque o admira e quer ser como ele, e também por desejar colocá-lo for a do caminho. Todo esse desenvolvimento se defronta com um poderoso obstáculo. Em determinado momento, a criança vem a compreender que a tentativa de afastar o pai como rival seria punida por ele com a castração. Assim, pelo terror à castração – isto é, no interesse de preservar sua masculinidade – abandona seu desejo de possuir a mãe e livrar-se do pai. Na medida em que esse desejo permanecer no inconsciente constitui a base do sentimento de culpa. Acreditamos que o que aqui descrevemos, são processos normais, o declínio normal do chamado ' complexo de Édipo': não obstante, exige uma importante amplificação "(Freud, S., "Obras Psicológicas Completas de S. Freud", Rio, Imago Editora Ltda/. Vol. XXI, Dostoievsky e o Parricídio, 1927/1928, pág. 212).

Reflexões finais

Está evidente que as circunstâncias condicionantes na formação do parricida, em análise, foram os princípios rústicos da educação que recebeu, num lar de moral estilhaçada, onde não havia lugar o amor, ou qualeu4r relacionamento sadio. A revolta que se instalou na sua mente foi o bastante para impulsioná-lo à ação criminosa que praticou. Foi a desagregação da família Karamazov que produziu o tormento do assassino: aquela inquietação e cumplicidade dos irmãos gerou o ambiente propício ao crime.

Como julgá-lo?

Em nosso direito positivo, matar o próprio pai é uma circunstância que agrava a pena (cf.lll artg. 61, II, letra e, do Código Penal). A doutrina justifica essa exacerbação da pena pela insensibilidade que o agente revela e pela facilidade maior que o ambiente doméstico ofereceu para a execução do objetivo delituoso.

Pelo seu senso primitivo de justiça, o homicida convenceu-se – nem sabe explicar o que aconteceu – de que agira levado pelo "destino" e que não deveria ser punido. E se assim acontecer, nunca entenderá o porquê.

A Justiça com certeza, não levará em consideração esses fatores subjetivos para julgá-lo, os quais, por mais ocultos e irrelevantes que possam parecer, foram decisivos na formação do parricida. Não haverá aqui as figuras do atormentador/atormentado, estudas pela vitimologia?

Com a fama de matador do seu pai, José poderá se transformar, efetivamente, em um criminoso habitual, porque estará sempre sob expectativa dos outros, visto como um homem capaz de tudo. E a tendência será praticar sempre mais um crime para não perder esse status que lhe foi conferido pelo destino.

Lourival de Jesus Serejo Sousa

SOUSA, Lourival de Jesus Serejo. Formaçäo e desenvolvimento de um parricida. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.27, p. 05, mar. 1995.

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