sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Artigo: Da ilegalidade da busca realizada em "blitz" policial

Em razão de sua importância político social e das conseqüências que tem gerado, um novo assunto ganhou, rapidamente, surpreendente destaque nos principais meios de comunicação do País; a violência urbana, o tráfico de entorpecentes e o crime organizado no Estado do Rio de Janeiro e as medida que se anunciam, como forma de combatê-los.

Como não poderia deixar de ser, o assunto é por demais polêmico e, em torno dele, gravitam as mais variadas opiniões e pontos de vista.

O próprio "convênio" firmado entre a União e o Estado envolvido, que prevê a atuação das polícias civil, militar e federal, sob comando único e centralizado do Exército brasileiro é e será, sem dúvida, fonte de acaloradas discussões em face de suas implicações, especialmente no que se refere ¡a autonomia dos Estados – membros, princípio constitucional.

Em razão dos métodos policiais empregados, a reboque, surge também a discussão sobre um instrumento jurídico dos mais controvertidos e polêmicos: "à busca em pessoas e coisas".

Com insistente freqüência, jornais, revistas e noticiários de televisão, têm exibido ações policiais empreendidas, principalmente, na cidade do Rio de Janeiro e na capital paulista, que mais se assemelham a operações de guerrilha urbana. Tais operações revelam forte aparato policial, com homens fantasiados de "ninja", rostos encapuzados, empunhando poderosas armas, viaturas, cães e cavalos, até.

As imagens estampada naqueles veículos noticiosos nos revelam, uma vez mais, além do espetáculo, uma triste realidade, considerando-se que vivemos num Estado de Direito, onde o respeito às leis deveria ser a tônica inarredável.

Por mais relevantes que sejam os motivos, não poderemos, em nome do combate ao tráfico, ao crime organizado e à violência, ignorarmos as leis vigentes, assumindo posturas ilegais e arbitrárias, conforme tem ocorrido, diariamente, nas ditas operações policiais, principalmente naquelas realizadas nas margens das rodovias brasileiras.

Não raro, temos assistidos pais de família, mulheres e homens honestos, às vezes proles inteiras, inclusive criança de tenra idade, serem confundidos com os piores bandidos e traficantes. Os veículos em que transitam, são interceptados nas barreiras policias, às margens da rodovia, e todos que estão a bordo são obrigados a desocupá-lo e, sob mira ameaçadora de armas de grosso calibre, submetidos a revista pessoa. O mesmo ocorre com o automóvel e a bagagem que são inteiramente vasculhados, revirados e remexidos.

Não se pode negar que existe, naquelas operações, uma certa dose de cumplicidade, tanto por parte das autoridades quanto por parte dos próprios transeuntes. Os primeiros porque, sabendo de sua ilegalidade, permitem que continue sendo praticada e os outros porque, na maioria dos casos, talvez por desconhecimento da lei ou imbuídos do espírito de cooperação, aceitam e até elogiam a vexatória medida. Mas, nem por isso, ela assume ares de legalidade, transformando-se em algo lícito.

A grande verdade é que tais procedimentos são realizados de forma ilegal, arbitrária, ao arrepio da legislação vigente.

A "busca pessoal", instituto processual – penal da maior importância, ao longo do tempo. tem se degenerado, transformando-se em ato constrangedor e violento.

A vigente Constituição da República, no capítulo reservado aos "Direitos e Deveres Individuais e Coletivos" abriu espaço ao assunto, dedicando-lhe a devida atenção.

O seu artigo 5º, em três oportunidades, especificamente, se relaciona ao tema, quando declara invioláveis intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas; o domicílio e a livre locomoção no território nacional em tempo de paz )incisos X,XI e XV). Portanto, qualquer tipo de cerceamento ou impedimento ao exercício de tais garantias, sem observância das prescrições legais, importará em violação constitucional.

Segundo o testemunho do Professor Hélio Tornaghi, também no direito norte –americano o tema mereceu especial atenção, sendo tratado a nível constitucional, em razão de suas graves implicações.

Naquele país, criou-se a Emenda Constitucional nº Quatro, como forma de se assegurar a inviolabilidade da pessoa "contra buscas e apreensões sem motivo justificado " (Tornaghi, Hélio. Curso de Processo Penal, Vol. I, pg. 459., Ed. Saraiva, 1990, São Paulo).

O Código de Processo Penal Brasileiro, no § 2º do artigo 240, ao permitir e regulamentar as formas de realização da busca pessoal, criou limites à ação dos agentes do Estado, que não podem e nem devem ser olvidados. Assim, dí-lo expressamente: "Proceder-se-à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior."

Importante lembrarmos que as letras b a f e h, referem-se basicamente, ao próprio criminosos e às coisas ou instrumentos ilícitos encontrados em seu poder, tais como armas, drogas, documentos falsificados, objetos roubados ou furtados etc.

Diante de tal dispositivo, a conclusão lógica a que se chega é a de que a "busca pessoal", incluindo-se aí, por extensão o automóvel e a bagagem transportada, somente poderá ser realizada quando recair sobre a pessoa que será submetida à revista, fundada suspeita de que oculte consigo arma e objetos proibidos (tóxicos por exemplo) ou que sejam, tais objetos; produtos de origem criminosa.

Lamentavelmente, as revistas efetivadas nas rodovias brasileiras, ocorrem de maneira indistinta, onde todos, cm notáveis exceções, praticando conduta ilícita, prevista no Código Penal e na Lei nº 4.898/65, que trata do abuso de autoridade.

Poderão alguns objetar, invocando, obviamente, a segurança social... Todavia, em que pesem as razões suscitadas, elas sempre chocarão com a barreira intransponível da lei.

Nesse caso, somente duas opções nos restarão: ou cumprimos a lei ou a revogamos, como forma de se permitir a realização das buscas sem as cautelas hoje exigidas.

Paulo Márcio da Silva

SILVA, Paulo Márcio da Silva. Da ilegalidade da busca realizada em blitz policial. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.26, p. 06, fev. 1995.

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