sábado, 2 de agosto de 2008

Artigo: Da famigerada atitude suspeita

Não é raro vermos em noticiários escritos e televisivos que a Justiça Criminal Brasileira não serve para os riscos, punindo apenas aos mais pobres. A experiência prática no exercício da judicatura tem mostrado as mais diversas causas para esta infeliz realidade.

Não se pode negar que as discrepâncias sociais e econômicas geram um maior número de delitos contra o patrimônio praticados por pessoas de menor condições financeiras, ante as necessidades por que passam diariamente.

Entretanto, algumas modalidades de delito atingem a toda a população de maneira indistintas, tais como o porte de entorpecentes para uso próprio (generalizado mesmo entre as castas mais favorecidas), o porte de armas, etc. Então o porquê, mesmo nestes casos, da maior incidência de denúncias contra pessoas da classe menos favorecida?

'A resposta se encontra na não observância pelos agentes de investigação policial dos princípios da igualdade de todos perante a Lei e das garantias fundamentais do cidadão, previstos na Constituição Federal.

A origem da apreensão do entorpecente ou da arma, nos casos referidos, tem sempre como origem o temo comumente utilizada da "atitude suspeita". Como magistrado sempre tive a curiosidade de indagar às testemunhas que compareciam em Juízo o que viria a ser esta atitude suspeita, motivadora de uma abordagem e de uma revista pessoal na pessoa sobre a qual a suspeita recai.

As respostas, de pouca variedade, sempre acabam sendo as de que ou o suspeito se encontra em local pouco recomendável (lógico que os locais onde as população de baixa renda reside), ou demonstrou nervosismo ante ao aparecimento da viatura (quem, em sã consciência, não teme a atitude de alguns poucos e violentos policiais) ou que era negro ou pardo.

Pode-se afirmar, sem medo de errar, que, se um usuário de entorpecentes ou portador de uma arma adquirisse um terno e uma gravata, acompanhados de uma mala 007 e decidisse circular pelos bairros de alta renda, não seria jamais importunado ou considerado em atitudes suspeitas, contanto que não fosse negro ou pardo. Este tratamento desigual, além de discriminatório, por violar o princípio de que todos são iguais perante a Lei é ilegal, na medida que viola os preceitos básicos das garantias individuais dos cidadãos.

Se a Constituição Federal demonstrou grande evolução nos direitos individuais, tornando a residência do cidadão mais inviolável, acabou com a irregular prisão administrativa, passou a exigir, salvo as exceções previstas (flagrante delito, etc.), mandado judicial para a prisão e busca e apreensão de coisas, inconcebível que pessoas continuem a ser abordadas desta maneira quando se encontram na rua. O mínimo que se deve exigir neste casos é que a abordagem ao transeunte seja baseada em fundada suspeita e não circunstancial, baseada em opiniões pessoalis apra a qual, na grande maioria das vezes, o abordado não contribui.

Por fim, questiona-se até mesmo se tal conduta não viola o sagrado direito de ir e vir do cidadão, caracterizando o delito de abuso de autoridade, sem se falar na possibilidade de indenização por dano moral, na esfera cível, pela acachapante situação a que várias pessoas são submetidas, revista s e maltratadas e m frente à comunidade em que residem.

Ante a este breve resumo, não vislumbro a possibilidade de consideração da prova penal obtida desta forma, pois em sendo ilícita a sua origem, inadmissível se tornaria ela em Juízo. Pelo contrário, a sua aceitação implica na ratificação da ilegal conduta investigatória. Cabe à Polícia atuar com melhor desempenho na prevenção dos delitos, mesmo porque a fase repressora é sempre mais dificultosa, em virtude do confronto causado com a enormidade de garantias e direitos fundamentais do cidadão.

Somente com rigor poderemos evitar esta distorção nos serviços prestados pela Justiça Criminal. Se ao Juiz cabe aplicar a Lei e não existe Lei maior que a Constituição Federal, não pode ele permanecer inerte quanto observa que a prova que chega à sua análise foi obtida através de atitudes discriminatórias e ilegais, devendo zelar para que efetivamente todos sejam iguais perante a nossa Justiça.

Carlos Eduardo Ferraz de Matto Barroso


BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Mattos. Da famigerada atitude suspeita. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.16, p. 07, maio 1994.

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