quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Artigo: Crimes sexuais: Seu perfeito enquadramento jurídico

O nosso Código Penal inicia a parte especial classificando os delitos entre títulos, que são subdivididos em capítulos. O título comporta as figuras delituosas que têm a mesma objetividade jurídica, agrupando entre os capítulos aqueles tipos penais que possuem, ainda, maiores semelhanças entre si. Este foi o critério adotado pelo legislador para elencar os delitos penais a serrem reprimidos e punidos.

Com relação ao crime de estupro, que é objeto de nosso estudo, o mesmo foi enquadrado no Título VI, denomidado "Dos crimes contra os Costumes, tutelando o pudor, a liberdade e a honra sexual como a objetividade jurídica.

Cumpre ressaltar que a objetividade jurídica é o bem ou interesse protegido pela lei penal e que a prática do delito ofende ou põe em risco, daí a necessidade de impedir qualquer agressão contra ele.

No art. 213 do CP, o legislador visou proteger a liberdade sexual da mulher, que é entendida como o direito de dispor do corpo. Nesse sentido, o Prof. Magalhães Noronha, in "Direito Penal", vol. 3, pág. 108, ensina que "é protegida a tutela ;do critério de eleição sexual de que goza a sociedade". Nem mesmo o fato da mulher levar uma vida devassa ou licenciosa retira-lhe tal direito. Ela é livre, sempre, para optar por seus parceiro e pela prática, ou não, do ato sexual. Referido autor conclui afirmando que "a liberdade de escolha nas relações sexuais é, dessarte, o bem que o Código, nos precisos termos do art. 213, tem em vista."

Em suma liberdade sexual consiste na escolha do parceiro e no consentimento da prática da conjunção carnal

Na mesma esteira de pensamento, o Prof Damásio de Jesus, in "Direito Penal", vol. 3, pág. 91, após analisar a objetividade jurídica dos delitos contra os costumes, entende que a lei protege a moral pública sexual.

Entretanto, o enquadramento jurídico do delito não está adequado.

O próprio Prof. Noronha, na pág. 103 de seu livro, sustentou que "o Código Penal poderia ter adotado a denominação dos crimes contra o pudor, pois todos esses delitos, teriam como denominador comum a ofensa a este sentimento individual e social. Em qualquer deles, a par de outros elementos, achar-se-ia sempre este bem atingido ou lesado".

Este conceito não resolve a questão (pois a palavra "pudor" tem hoje um sentido um tanto restrito) e também esta em desacordo com o novo enfoque da pessoa humana e os direitos ;inerentes à sua personalidade.

Na época do Código Penal, não se justificava a distinção, pois o legislador estava imbuído das moral vigente na época.

No caso específico do estupro e do atentado violento ao pudor, a correta classificação seria entre os crimes contra a pessoa, pois, apoiando-se no ensinamento de Franz Von Liszt, compreende-se que ;os crimes contra o corpo e a vida são crimes contra o indivíduo, visto que estes atingem mais a própria pessoa do que a coletividade.

Sob este prisma, vê-se que o estupro e o atentado violento ao poder, inequivocamente, ofendem a liberdade sexual, que é um bem inerente à personalidade humana e que merece tanta ou mais proteção que a integridade corporal, entendida esta no aspecto mais cru no sentido da expressão.

Não é ocioso frisar que no rime de estupro quase sempre há uma lesão na vítima, sendo isso absorvido pelo fim libidinoso da conduta. Do contrário, haveria dois crimes. Para sanar dita situação, o legislador considerou-o como crime complexo quando do delito de estupro; resulta lesão grave ou morte. A lesão leve inerente ao tipo, pois decorre do dissenso da ofendida.

Assim, ao ser constrangida a manter uma relação sexual, a mulher sofre uma restrição em sua liberdade, tanto na sua opção de escolha de parceiro como no consentimento do ato. Isso configura uma violência contra sua vontade, sua liberdade e sua pessoa humana.

O Prof. Paulo José da Costa Jr., in "Comentários ao Código Penal", vol. 3, pág. 101, ao considerar o estupro como um crime contra a liberdade sexual, não deixa de ser uma forma especial de constrangimento ilegal, na qual a tutela recai, principalmente, sobre os costumes, destacou esse aspecto, admitindo que estupro ofende a moral sexual e a integridade corporal da ofendida.

Entretanto, não foi a posição adotada pelo Código Penal de 1940 e nem pela doutrina. Atente-se que o fato dos delitos de estupro e atentado violento ao pudor estarem alocados como crimes contra os costumes, esta em perfeita consonância com a moral sexual e o pensamento jurídico vigente à época ;da elaboração do Código Penal. Atualmente, com a mulher ingressando, maciçamente, no sistema econômico e nas decisões políticas, é de se alterar ;a tutela jurídica. Sua liberdade sexual faz parte de seus direitos da personalidade e, como tal, merece proteção.

Assim, não é mais a moral sexual que clama proteção, e sim o direito individual da mulher, sua liberdade de escolha do parceiro e o consentimento na prática do ato sexual. A violação a isso corresponde a um ilícito ligado à sua pessoa e não mais contra os costumes. Prevalece na ofensa sofrida, sua liberdade e não a moral. Daí, justifica-se a nova adequação típica das figuras penais do estupro; e do atentado violento ao pudor.

Anote-se, também, que o Prof. Paulo José da Costa Jr., in opus cit., ao tecer considerações gerais sobre os delitos contra a pessoa, à fls. 2 do vol.2, menciona que: "Ao elencar os crimes contra a pessoa, o Código Penal brasileiro protege todos os direitos da personalidade. Vale frisar: Aí estão compreendidos não só os direitos referentes à pessoa física como aqueles alusivos à personalidade mora."

Dessa sorte, vê0se que no delito de constrangimento ilegal, a conduta típica consiste em obrigar alguém a fazer o que a lie não permite ou fazer o que ela não manda. Há uma violação à liberdade moral e psíquica do homem, pois o constrangimento atua sobre a faculdade de livre determinar-se. Da mesma forma nos crimes sexuais, há também esse constrangimento na livre vontade da vítima.

Sob essa esteira de pensamento, o festejado Nelson Hungria, in "Comentários ao Código Penal", vol. III, pág. 105, já assinalou ;que não é o estupro senão uma forma especial de constrangimento ilegal transladada para o setor de crimes sexuais.

Então, é perfeitamente possível traçar um paralelo entre o crime de estupro e o de constrangimento ilegal, sendo que, no primeiro, a violência recai sobre a liberdade sexual, e o outro, um crime contra a liberdade individual. O estupro seria, então um plus em relação ao crime de constrangimento ilegal, sendo ambos crimes contra a pessoa, pois voltado exclusivamente para a questão sexual. Há em seu componente um fim libidinosos atuando contra a liberdade sexual da ofendida.

Pode-se concluir que o estupro e o atentado ;violento ao pudor lesam, também, a liberdade da pessoa, acentuando sobre sua paralela de sexualidade.

É de se salientar que o anteprojeto da parte especial do Código Penal não supriu essa falha, conservando os crimes de estupro e atentado violento ao pudor (arts. 230 e 231) entre os crimes contra os costumes. A par disso, deve ficar ressalvado que a sociedade moderna tem interesse no resguardo da liberdade sexual e que tais delitos, que são de suma gravidade, merecem, um tratamento diferenciado do legislador, não só no aspecto punitivo (isto é, a exacerbação da pena). Mas no enfoque jurídico, conclui-se que, a violência dos crimes sexuais deve ser totalmente desvinculada de todo e qualquer aspecto moral, pois estes atingem mormente a personalidade humana e não os costumes. Mister, então, se faz considerar tais infrações como uma invasão à privacidade da vítima, que teve isolada sua liberdade sexual.

Para solucionar o problema da adequação típica, deve ser incluído após o capítulo dos crimes contra a liberdade individual o capítulo dedicado aos crimes sexuais, pois este estão em perfeita consonância dentro do título maior, que é o dos crimes contra a pessoa, pois a objetividade jurídica dos delitos sexuais se prende muito mais à liberdade na prática do ato do que na moral sexual.

Lorette Garcia Sandeville

SANDEVILLE, Lorette Garcia. Crimes sexuais: seu perfeito enquadramento jurídico. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.25, p. 05, jan. 1995.

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