Altos Estudos Sobre Audiências de Custódia. FOTO: Luiz Silveira/Agência CNJ
O encerramento do evento Altos Estudos em Audiência de Custódia, realizado pelo programa Justiça Presente nesta quinta-feira (13/6) no Supremo Tribunal Federal, abordou os desafios para a qualificação do instrumento que é a porta de entrada do sistema prisional. Participaram do painel a coordenadora técnica geral do programa Justiça Presente, Valdirene Daufemback, e a professora de direito penal da Fundação Getulio Vargas em São Paulo Maíra Carvalho. O encontro foi mediado pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ Márcio Alexandre.
A professora Maíra Machado falou das complexidades que permeiam as audiências de custódia, desde o peso da narrativa policial até a pouca robustez dos subsídios fáticos e probatórios diante da gravidade da decisão a ser tomada na audiência. “O artigo 12 do Código de Processo Penal fala em prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. Mas qual crime? Cabe ao juiz somente chancelar a escolha da autoridade policial sobre essa etapa fundamental? Não se trata de deslegitimar a decisão da autoridade policial, mas apenas reconhecer que o delegado de polícia, no auto, e o juiz, na custódia, têm prerrogativas, obrigações e responsabilidades éticas e jurídicas distintas”.
Ela também discutiu as delicadezas envolvendo a entrevista do custodiado para acessar narrativas não só em relação aos fatos, mas também no tocante aos elementos biográficos do cidadão. Falou ainda sobre a necessidade de pensar mais nos fatos que na valoração de culpabilidade e na importância da fundamentação não só no desfecho da decisão, como também a qualificação jurídica dos fatos. “As audiências de custódia são o passo mais importante em direção a um sistema de justiça criminal que faz jus ao estado democrático de direito e que devemos, portanto, manter e avançar”, concluiu.
Contexto do programa
Coordenadora técnica do Justiça Presente, Valdirene Daufemback traçou um diagnóstico do programa e falou sobre as iniciativas para combater a superlotação e superpopulação dos presídios. Para ela, há uma cultura institucional voltada mais ao controle da criminalidade com perspectiva policial do que de fato trabalhar questões de custódia e reintegração social. “Essa dicotomia faz com que tenhamos política fragmentada, que compromete resultados que gostaríamos de ter.”
Daufemback avaliou que, passados pouco mais de três anos da implementação das audiências de custódia em todo o Brasil regulamentadas pela Resolução CNJ n. 213/2015, é necessário olhar para essa trajetória para definir os próximos passos. Entre as ações do Justiça Presente que visam fortalecer as audiências de custódia estão a implementação e o fortalecimento das Centrais Integradas de Alternativas Penais em todos os Estados, a parametrização de procedimentos para Centrais de Monitoração Eletrônica e a criação da Central de Vagas, serviço de gestão das vagas disponíveis. Outras ações incluem o fortalecimento da justiça restaurativa e os mutirões eletrônicos por meio do Sistema Eletrônico de Execução Penal (SEEU).
Juiz auxiliar da presidência do CNJ e mediador do debate, Márcio Alexandre traçou um histórico das audiências de custódia, remetendo-as ao Pacto de San José da Costa Rica, de 1969. Ressaltou, ainda, a importância de qualificar a atuação dos magistrados. “O contato com o flagranteado fez com que magistrados tivessem olhar diferenciado. As audiências não servem simplesmente para soltar ou prender, mas para verificar práticas de abuso”, afirmou. “O mais importante é a humanização do Judiciário, ouvindo e respeitando o preso. Este é o principal desafio”, completou
Encerramento
Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF/CNJ), Luís Lanfredi fez o encerramento do evento destacando a responsabilidade dos juízes para a melhoria do sistema prisional brasileiro. “Ou racionalizamos a maneira como a justiça criminal atua, ou seguiremos responsáveis não apenas pela violação maciça de direitos humanos nos cárceres do país, mas também nos tornaremos, por assim dizer, sócios do crime organizado, que se beneficia da farta mão de obra que enviamos para as prisões”, afirmou.
Segundo Lanfredi, o programa Justiça Presente tem como objetivo atacar as raízes dos problemas, o que inclui o controle efetivo da ocupação de vagas do sistema prisional pelo Poder Judiciário por meio de ferramentas como o SEEU e o cuidado do Judiciário com os egressos por meio dos Escritórios Sociais. Lanfredi também ressaltou a importância do fortalecimento das audiências de custódia para que os juízes possam, de fato, qualificar a porta de entrada do sistema.
“Com o estreitamento de laços entre o Poder Judiciário e as políticas públicas existentes, os juízes saberão que as demandas sociais das pessoas levadas às audiências de custódia poderão ser atendidas, e que muitas vezes esse atendimento é uma resposta muito mais efetiva ao delito cometido do que a aplicação de uma prisão preventiva inócua, contraproducente”, disse. Segundo Lanfredi, a aproximação com as Centrais de Alternativas Penais e Centrais de Monitoração Eletrônica propostas pelo Justiça Presente serão atividades fundamentais, assim como as articulações de redes com serviços de proteção social. “Juntos vamos superar essa crise histórica que assola o sistema prisional brasileiro”, concluiu.
Audiências de custódia
Com obrigatoriedade determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), as audiências de custódia foram instituídas como política nacional pelo CNJ em 2015 (Resolução CNJ n. 213/2015) e consistem na apresentação do preso em flagrante a um juiz no prazo de 24 horas. Após a audiência, o magistrado decide se o custodiado deve responder ao processo preso ou em liberdade, podendo ainda decidir pela anulação da prisão em caso de ilegalidade. Por colocar o magistrado em contato com o custodiado no momento da prisão, essas audiências facilitam a comprovação de casos de tortura e maus-tratos, geralmente pouco notificados.
Justiça Presente
Iniciativa da gestão do ministro Dias Toffoli, o Justiça Presente coloca o Judiciário como protagonista para enfrentar o estado de crise do sistema penal. O programa resultou de acordo de cooperação técnica firmado em novembro de 2018 entre o CNJ e o Pnud com recursos repassados pelo MMJSP. Em 2019, o UNODC também se tornou parceiro para a implementação de iniciativas relativas às audiências de custódia.
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