Na Idade Média, não havia os conceitos de heterossexualidade e homossexualidade que existem hoje, criados apenas na era Vitoriana, da Inglaterra do século 19
A novela medieval 'Deus Salve o Rei' da Rede Globo trouxe à tona o debate sobre como era tratada a homossexualidade no período que consiste a Idade Média europeia (de 476 a 1500 d.C.).
O tema tem sido abordado através do relacionamento entre os personagens Heráclito (Marcos Oliveira), o tio da rainha Lucrécia, e o professor de harpa, Pietro (Ricardo Monastero).
Mas a pergunta que fica e agora respondida por historiadores entrevistados pelo 'UOL' é: será que era mesmo tranquilo ser gay naquela época? Confira abaixo a análise de alguns períodos desta fase, no que toca a homossexualidade.
No período da Idade Média, não havia os conceitos de heterossexualidade e homossexualidade que existem hoje, criados apenas na era Vitoriana, da Inglaterra do século 19, explicou a historiadora Paula Vermeersch, professora e doutora da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
“Antes, muitas pessoas não viam a própria sexualidade confinada a apenas uma opção”, diz Paula.
Os Reis
Vários monarcas nesta época mantinham aventuras com parceiros do mesmo sexo. Há relatos que o rei inglês Ricardo 1º, conhecido como Coração de Leão (1157 - 1199), antes de assumir o trono, mantinha um relacionamento com o rei francês Felipe 2º.
Já na Península Ibérica (região hoje formada por Portugal e Espanha), dominada pelos mouros a partir de 711 até 1492, havia uma grande tolerância a respeito da sexualidade.
Historiadores apontam que reis que dominaram a região, como Abderramão 3º, Aláqueme 2º, Hisham 2º e al-Mutamid, mantinham até mesmo haréns masculinos.
Para o historiador espanhol Miguel Cabañas Agrela, a realeza era a menos importunada nesse sentido. “Nenhum tribunal ousaria comprometer um rei por questões referentes à sua vida privada. Não faltavam fofocas, mas as acusações eram feitas na esfera privada”, conta em seu livro “Reyes Sodomitas”.
A Igreja
Mesmo dentro da Santa Sé, existiram relatos sobre a prática, inclusive, com a participação do Santo Padre. o papa João 12º (pontificado entre 955 d.C. e 964 d.C.) chegou a ser afastado de suas funções por causa de orgias bissexuais, por exemplo.
Outros papas, como Bento 9º (três papados, entre 1032 e 1048) e Paulo 2º (pontífice entre 1464 e 1471 d.C.) também são conhecidos por polêmicos relacionamentos que mantiveram com outros homens.
Porém, para longe do Vaticano e em busca de mais controle da sociedade, a Igreja passou a perseguir os homossexuais com mais rigor a partir do Terceiro Concílio de Latrão, em 1179.
Idade x Condenação
A partir do século 13, em muitos reinos da Europa, existiam três níveis para criminalizar os que se relacionavam com parceiros do mesmo sexo.
Os acusados com menos de 15 anos ficavam reclusos por três meses. Acima dos 15, eram presos e pagavam multa. Se não pagassem, eram açoitados, tinham suas genitálias amarradas e, depois de serem obrigados a desfilar pelados pela aldeia, terminavam expulsos.
Quando maior de 33 anos, o indivíduo era julgado sem direito à defesa e, caso condenado, tinha seus bens confiscados e era queimado em uma fogueira.
A Peste Negra
Uma das mais devastadoras pandemias na história humana, resultando na morte de 75 a 200 milhões de pessoas na Europa e Ásia, a peste negra foi usada para perseguir ainda mais os grupos considerados de 'pecadores'.
O pecado humano passou a ser apontado como a causa da doença e de diversas outras catástrofes, como fomes e guerras. Isso levou à perseguição de minorias como os judeus, pagãos e homossexuais.
Na cidade italiana de Florença, por exemplo, em 1432 criou-se a figura dos agentes noturnos, que buscavam supervisionar os cerca de 40 mil habitantes da cidade e coletar todo tipo de prova para incriminar as minorias. Foram presas 17 mil pessoas, das quais 3 mil foram sentenciadas por sodomia.
O resultado foi a prisão de 17 mil pessoas, das quais 3.000 foram sentenciadas por sodomia às mais diversas penalidades, sendo a morte e o confisco de bens as mais temidas.
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