A Justiça paulista deu início nesta terça-feira (24/2) às chamadas audiências de custódia, iniciativa que fixa prazo de 24 horas para o juiz receber presos em flagrante e avaliar se a medida é realmente necessária. O projeto pilotocomeçou no Fórum Ministro Mário Guimarães, no bairro paulistano da Barra Funda, com presos encaminhados por duas delegacias seccionais. Nas 25 audiências promovidas, 17 pessoas foram liberadas.
O modelo foi desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Ministério da Justiça, mesmo com resistência do Ministério Público estadual. O órgão, que é obrigado a deslocar promotores em todas as audiências, recusou-se a assinar o termo de cooperação entre o Judiciário e o Executivo sobre o tema. O procurador-geral de Justiça Márcio Elias Rosa não compareceu ao lançamento.
A revista Consultor Jurídico apurou que Elias Rosa e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estudam entrar com medidas judiciais contra as audiências de custódia. A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) já foi ao Supremo Tribunal Federal, argumentando que o TJ-SP não tem competência para editar norma obrigando que a autoridade policial apresente o preso no prazo determinado.
A ideia do projeto é que, nessas 24 horas, o juiz entreviste o preso e ouça manifestações do seu defensor e do MP. A Defensoria Pública deve atuar na grande maioria dos casos — nesta terça, só um preso contou com advogado.
A instituição é favorável à nova iniciativa. Defensores apontam que o Brasil já havia se comprometido em tratados internacionais a evitar que o preso demore a ser ouvido. Além disso, entendem que o contato entre o preso e o juiz torna o processo “mais vivo”, permitindo a análise de informações e a apuração de problemas, como acusações de tortura.
Já o MP avalia que reunir tantos representantes com o juiz transforma um momento pré-processual em uma fase de prova. Um representante do órgão afirma que a polícia já era obrigada a informar prisões em flagrante em 24 horas, e a validade dessas medidas já era analisada por todos os órgãos nos gabinetes, sem a obrigação do encontro pessoal.
Processo acelerado
O presidente do TJ-SP, desembargador José Renato Nalini, defendeu no lançamento a importância da medida como valorização dos direitos fundamentais. “Vamos valorizar a liberdade, mas com Justiça. Os juízes não irão mudar a forma da análise, mas sim acelerar a sentença”, declarou.
Para o secretário estadual da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, “esta é uma inovação para garantir os direitos constitucionais e otimizar a análise dos casos pelo juiz”. “Isso não significa que vamos prender ou soltar mais, mas sim acelerar o processo”, disse ele. Também estiveram presentes defensores públicos que atuam no fórum criminal.
Dentro da audiência
Enquanto, pela manhã, havia circulação de pessoas e câmeras por todos os lados, no período da tarde as salas de audiências estavam mais tranquilas. AConJur acompanhou o caso de um suspeito de tráfico de drogas, em uma das seis salas localizadas nos fundos do último andar do fórum. Servidores não sabiam informar se o público externo poderia participar, mas a juíza responsável pelo caso autorizou a entrada das quatro pessoas que bateram à porta.
Negro e com 29 anos, o homem chegou algemado e ficou numa cadeira, entre um defensor público e uma promotora de Justiça e à frente de um policial militar. A juíza disse que o preso poderia ficar em silêncio, mas ele concordou em falar. O homem foi questionado se já tinha passagem na polícia, se toma alguma medicação, onde mora, se é casado e tem filhos, por exemplo. No final, a magistrada atendeu solicitação do MP e converteu a prisão em flagrante em preventiva, pois o homem já tinha duas condenações anteriores e poderia trazer risco à ordem pública.
A audiência durou 30 minutos e foi gravada em vídeo. O homem foi ouvido em menos de dez, e boa parte do tempo restante foi gasto com problemas de quem ainda está se adaptando, como uma impressora sem configuração que impediu a impressão de documentos.
No total, foram destacados dez juízes do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo) e dois promotores para atuar nas audiências de custódia, enquanto a Defensoria separou sete defensores por dia para trabalhar especificamente com esses casos.
O CNJ divulgou que o horário de funcionamento será de 9 às 19 horas, de segunda a sexta-feira. Ao menos na estreia, servidores informaram que a polícia poderia entrar no fórum até as 16h30. Meia hora antes, porém, já foi avisado que as audiências do dia haviam terminado.
Revista Consultor Jurídico, 24 de fevereiro de 2015.
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