O empresariado sente-se cada vez mais acuado com a quantidade de condutas que vêm sendo criminalizadas, dificultando cada vez mais o livre exercício profissional. Prova disso encontra-se nos diversos dispositivos que regulam a ordem econômica, a ordem tributária e, principalmente, nas diversas obrigações previstas em lei que visam, em última análise, coibir a lavagem de dinheiro.
Para piorar, além de criar crimes para quase tudo, o legislador também se utiliza de técnicas e medidas de política criminal que, sob o manto da modernidade, transige com princípios elementares do direito.
Exemplo de medidas de política criminal moderna encontra-se na possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica, na responsabilidade penal objetiva, quando o empresário vem a ser punido pelo que é, e não pelo fato que cometeu, na posição de garantidor de um dever juridicamente relevante que, ao que parece, justifica a punição de um diretor por ato praticado pelo subordinado.
Por tudo isso, correto o dito popular: “Melhor prevenir do que remediar”. De fato, com o recurso cada vez mais usual da pena como medida de política criminal, o Estado assume viés repressor, levando a sociedade a buscar medidas para se resguardar do ataque que, muitas vezes, é desproporcional e injusto. Nesse quadro, a prevenção assume importante função.
Quando se elege o bem jurídico econômico como objeto de tutela estatal seria mais adequado que a proteção se efetuasse por meio de medidas de cunho administrativo. Caso essa forma de tutela se mostrasse falha ou insuficiente, o direito penal interviria como medida extrema. Não é a opção do legislador pátrio, que, cada vez com mais intensidade, tipifica um número cada vez maior de condutas. A irregularidade que talvez pudesse ser coibida no campo administrativo fica acobertada pelo severo manto do ilícito penal.
Para agravar esse cenário, opta o legislador por criminalizar condutas ainda em sua fase embrionária, com demasiado destaque ao caráter preventivo do direito penal. De outro lado, prescinde-se da efetiva ameaça do bem jurídico tutelado. A lei perde sua eficácia e fica desvirtuada de sua função. Quem ganha com isso?
Com essas medidas o que se tem é o que chamamos de efeito rebote, isto é, em vez de solucionar ou minimizar os problemas existentes, criam-se outros que poderão se tornar intransponíveis, como o aumento da criminalidade organizada e o desrespeito às leis e à ordem pública. As consequências disso são alarmantes e o Direito Penal não pode ter a tarefa de resolvê-las. Insistir é acentuar os problemas para um futuro próximo.
Como uma proposta nova de minimização dos riscos da sociedade moderna e contemporânea, o instituto do criminal compliance pode e deve ser utilizado, tanto como uma ferramenta de controle, proteção e prevenção de possíveis práticas criminosas nas empresas, quanto como uma valiosa ferramenta de transferência de responsabilidade penal nos crimes econômicos e nos meios eletrônicos, evitando-se, assim, a responsabilidade penal objetiva e a responsabilidade penal da pessoa jurídica, com a consequente mantença da ordem jurídica e social.
No Brasil, a Lei nº 9.613/1998, com a nova redação dada pela Lei nº 12.683/2012, Lei dos Crimes de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores, criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), com a finalidade de identificar, disciplinar e aplicar penas administrativas às atividades ilícitas praticadas, nos termos desta lei.
Trouxe a lei, como verdadeiros deveres de compliance, embora sem se referir especificamente a essa denominação, as obrigações legais que devem ser cumpridas por determinadas pessoas físicas ou jurídicas. Incluiu o legislador, ainda, a previsão da responsabilidade dos administradores das pessoas jurídicas, na hipótese de descumprimento das obrigações legalmente descritas. Com isso, o que se tem é, propriamente, a transferência, ao setor privado, da responsabilidade de prevenir a lavagem de dinheiro, com claro desvirtuamento do papel do setor privado, assumindo uma função que, por decorrência lógica, compete ao setor público.
O instituto do compliance pode ser dividido em dois campos de atuação: um, de ordem subjetiva, que compreende regulamentos internos, como a implementação de boas práticas dentro e fora da empresa e a aplicação de mecanismos em conformidade com a legislação pertinente à sua área de atuação, visando prevenir ou minimizar riscos, práticas ilícitas e a melhoria de seu relacionamento com clientes e fornecedores. O outro campo de atuação é de ordem objetiva, obrigado por lei, como é o caso da Lei de Lavagem de Dinheiro.
No âmbito subjetivo há uma imposição ético-legal implícita, podendo optar a empresa em instituir, ou não, o instituto do compliance. Já na faceta objetiva, o compliance é exigência legislativa que alcança tanto as pessoas quanto as suas obrigações, bem como as instruções para o seu cumprimento. Vale dizer que, em ambos os casos, tem-se como premissa o caráter preventivo de ilícitos.
Nossa ordem jurídica tem se desenvolvido de maneira tão complexa que se torna muito difícil ser conhecida pelo cidadão comum sem a ajuda de um profissional do Direito, especialista em uma determinada área de atuação. Os sistemas normativos regulados são de difícil compreensão.
Em consequência é comum o empresário da sociedade global do risco adotar medidas e tomar decisões quase que às cegas, e que, entretanto, não o desoneram de responsabilidade na hipótese de ser possível evitar o dano.
Como necessidade pungente de preservação da corporação, diante do expansionismo desenfreado do Direito Penal, o instituto do criminal compliance surge como um mecanismo de controle interno, de prevenção de práticas de condutas ilícitas criminais, que possam colocar em risco a liberdade de seus dirigentes ou a própria empresa.
O objetivo do criminal compliance é, portanto, prevenir tanto a prática de crimes no interior da empresa como a possível responsabilidade penal de seus dirigentes.
Carla Rahal Benedetti. Gazeta do Povo. Justiça e Direito. 02.08.2013.
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