segunda-feira, 5 de março de 2012

Réu louco deve ser absolvido por falta de dolo?


** A inimputabilidade não exclui a tipicidade do delito, por ausência de dolo. Com este fundamento a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou pedido de Habeas Corpus ao julgar o HC 175.774-MG (6/12/2011), relatado pela ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Ao paciente foi imposta o que a doutrina denomina de absolvição imprópria, pelo juiz de primeira instância. Ou seja, ele foi absolvido, mas com a imposição de medida de segurança uma vez comprovada sua inimputabilidade.
A defesa, alternativamente, pugnava pelo reconhecimento da atipicidade da conduta, por ausência de dolo.
Veja-se, de fato entende-se (de maneira majoritária hoje) que o dolo é analisado na conduta que integra o fato típico. Mas alegar que a inimputabilidade do agente dá causa à ausência de dolo e, por consequência, afasta a tipicidade do delito, é tese que conflita com a majoritária ciência penal.
A imputabilidade do agente é pressuposto de pena, porque analisado na culpabilidade. Se o agente é inimputável, de acordo com o artigo 26 do Código Penal, ele é isento de pena. Portanto, a imputabilidade é pressuposto da culpabilidade e não da tipicidade do delito (consoante a doutrina majoritária).
Daí porque, de acordo com a ministra Maria Thereza: Tendo sido demonstradas pelo magistrado a quo a materialidade e a autoria do fato criminoso, não há falar em atipicidade por ausência de dolo, decorrente da incapacidade de entender o caráter ilícito do fato (HC 175.774/MG).
O entendimento está disponível no Informativo de Jurisprudência 489, cuja ementa segue para leitura:
Sexta Turma
INIMPUTABILIDADE. MEDIDA DE SEGURANÇA. CONDUTA TÍPICA.
In casu, o ora paciente foi denunciado como incurso no art. 306 do CTB por duas vezes e nos arts. 329 e 330, ambos do CP. Em primeiro grau, foi julgada improcedente a denúncia, sendo o paciente absolvido das imputações, contudo aplicou-se-lhe medida de segurança consistente em internação no tocante ao delito de desobediência, decisão que foi mantida pelo tribunal a quo. No habeas corpus, busca-se o reconhecimento da atipicidade da conduta imputada ao paciente, não apenas em razão de sua inimputabilidade penal, mas também, primordialmente, por ausência do dolo. A Turma denegou a ordem ao entendimento de que a inimputabilidade leva à aplicação de medida de segurança, mas não exclui a tipicidade do delito. Assim, consignou-se que, tendo sido demonstradas pelo magistrado a quo a materialidade e a autoria do fato criminoso, não há falar, na hipótese, em atipicidade por ausência de dolo decorrente da incapacidade de entender o caráter ilícito do fato. Observou-se, ainda, que o paciente já foi absolvido, sendo-lhe aplicada, como visto, em razão da inimputabilidade, medida de segurança nos termos que determina a legislação pertinente. Precedentes citados: HC 142.180-PR, DJe 27/9/2010, e HC 99.649-MG, DJe 2/8/2010. HC 175.774-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/12/2011.

A inimputabilidade, prevista no artigo 26 do Código Penal, diz respeito à inteira incapacidade entender “o caráter ilícito do fato”. O artigo 21 do CP cuida do “erro” sobre o caráter ilícito do fato. Ambos versam sobre o ser proibido, sobre o caráter proibido da conduta. Dolo significa intenção. Saber o que está fazendo e querer isso. O plano do dolo é anterior. De outro lado, é fenomenológico. Sei o que estou fazendo e quero o que estou fazendo. Esse querer não tem nada a ver com o campo normativo, da proibição. O plano da inimputabilidade é normativo. O sujeito não tem capacidade de entender “o caráter ilícito do fato”. Mas uma coisa é querer praticar uma determinada conduta e outra é saber que isso é proibido.
O louco, normalmente, quer o que faz. O problema dele é que ele não tem capacidade de valoração do que está fazendo. Não tem condições de saber que seu ato é ilícito. A inimputabilidade está ligada ao campo normativo da ilicitude. O dolo está atrelado ao campo psicológico da conduta. O louco pode atuar sem dolo, mas para isso é preciso comprovar que não sabia o que fazia ou não querer o que fazia. Esse é um aspecto de difícil comprovação. Por isso que nunca (ou quase nunca) os juízes absolvem o louco por falta de dolo. Até mesmo a ciência médica tem dificuldade de constatar a ausência de dolo no louco. É por essa razão que o mundo jurídico leva a sua incapacidade para o campo da inimputabilidade (que é requisito da culpabilidade).
**Áurea Maria Ferraz de Sousa é advogada pós-graduada em Direito Constitucional e em Direito Penal e Processual Penal e pesquisadora. 
Luiz Flávio Gomes é jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Assine meu Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 1º de março de 2012

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