Dos 51.434 homicídios contabilizados em 2009 no nosso país (Datasus), 47.109 foram praticados contra homens. Ou seja, 91,6% do total foram praticados contra pessoas do sexo masculino; 8,3% ou 4.260 mortes atingiram as mulheres. A cada dia, no Brasil, 11 mulheres são assassinadas. Setenta por cento (70%) por seu marido ou ex-marido, noivo ou ex-noivo, namorado ou ex-namorado (é aqui que reside a violência machista ou violência de gênero, que é universal).
Na Noruega, de cada 10 mulheres, uma já foi estuprada. No Afeganistão a mulher, quando estuprada por um homem casado, é condenada por adultério. Gulnaz, uma jovem afegã, está cumprindo 12 anos de cadeia por esse motivo. Na Colômbia, quando o homem é desprezado pela sua noiva ou namorada ou mulher, a moda continua sendo desfigurar o rosto dela com ácido (“Se não é minha, não é de ninguém”).
Na Arábia Saudita metade da população (a feminina) vive sob livramento condicional: as mulheres não podem conduzir veículos nem viajar ou sair de casa sozinhas, desacompanhadas de um varão da família; 599 mulheres foram assassinadas na Espanha, desde 1º de janeiro de 2003. No Brasil, na década de 2000 a 2009, cerca de 30 mil mulheres foram vítimas de homicídio em razão do gênero.
Ressalvado o dia 25 de novembro, quando então se comemorou o Dia Internacional contra a Violência de Gênero, a violência machista (de gênero) raramente ocupa as primeiras páginas dos jornais. Quando muito, um pequeno espaço em lugares isolados. Isso não ocorre por acaso. Ela faz parte do nosso dia a dia. Integra a nossa cultura fundada na desigualdade.
Os governos e as sociedades não deveriam nunca deixar de denunciar diariamente a barbaridade desse tipo de violência, que está impregnada na cultura de todos os povos (em maior ou menor medida). Essa é uma área em que a “civilização dos costumes” (Norbert Elias) ainda não chegou (ou ainda não chegou na dosagem certa).
Nem as políticas públicas nem as preocupações mais elementares das sociedades colocam a prevenção da violência machista em primeiro lugar. É como se fosse um direito “nato” dos homens massacrar as mulheres, que continuam em posição de desigualdade e de submissão.
Qualquer país democrático, como bem assinalou editorial do El País de 26 de novembro de 2011, p. 22, decretaria estado de emergência (de defesa) se um grupo identificado pela sua raça, crença ou ideologia fosse perseguido (e morto) com a mesma sanha (ira, cólera). Considerando-se que esse tipo de violência é universal, nenhum país fica chocado com os índices aberrantes dessa violência sem fim.
Em lugar da irresignação e da contundente denúncia, o que vemos é a “normalização” (aceitação social, como se fosse algo “natural”) da cultura da violência machista. A preocupação da ONU com o assunto constitui um alento, uma luz no final do túnel. Mas é preciso ir mais fundo. É preciso criar o tabu do sangue, ou seja, desde criança, precisamos aprender que ninguém pode agredir o corpo humano, que a vida é algo sagrado, intocável, que deve ser respeitada acima de tudo, por todos.
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). É autor do Blog do Professor Luiz Flávio Gomes.
Revista Consultor Jurídico, 1º de dezembro de 2011
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